(Paulo Brack, 11 de agosto de 2024)
1. Relembrando um túnel do tempo virtuoso
Porto Alegre teve um histórico de ineditismos na área ambiental, a partir das lutas dos movimentos ecologistas da década de 1970, encabeçadas principalmente pela Agapan. Assim, numa época de despertar para a causa do meio ambiente, em 1976, foi criada a primeira secretaria municipal nesta área no Brasil, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM). Um ano antes, tinha surgido também a Reserva Biológica do Lami, a primeira do gênero no país.
A partir do início da Administração Popular, em 1989, com a chegada do então prefeito Olívio Dutra, houve a ênfase na democratização das políticas de Estado e no protagonismo político da sociedade, por meio do Orçamento Participativo (OP), que visava a decisão mais democrática dos investimentos na infraestrutura urbana de maior alcance social, com a criação do Conselho do OP, com plenárias e indicação de delegados, situação com ênfase na habitação popular e mais acessível à população. Na mesma época, foi criado o Programa Guaíba Vive, avançando no desenvolvimento de políticas de integração entre diferentes pastas. A SMAM teve vários(as) secretários(as) comprometidos com os compromissos, acima de tudo, com a melhoria da qualidade ambiental naquele período (Figura1).
Figura 1b. Os diferentes secretários
de Meio Ambiente durante a Administração Popular. https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smam/usu_doc/secretarios_galeria_secretariamunicipaldomeioambiente.pdf
No desenvolvimento do Programa Guaíba Vive (1989-2004), as administrações tinham como proposta de eixo
transversal a integração deste programa
entre as diferentes secretarias, com um dos principais focos o saneamento e
a volta da balneabilidade das praias do Lami, Belém Novo e Ipanema. Em 1994, foi
criado também o Parque Natural Municipal Morro do
Osso, com 127 hectares, pela primeira vez uma UC
em um dos mais de 40 morros de Porto Alegre.
Em 2014, foi criado o Refúgio da Vida Silvestre Morro São
Pedro, ao lado do bairro Restinga, a partir de uma consulta
pública, e como parte como um Programa Integrado Socioambiental
(PISA), e Estação
de Tratamento de Esgotos (ETE) no bairro Serraria, finalizado em 2014, mas já
previsto nos governos da Administração Popular. A ETE Serraria recebeu recursos
do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal, e impulsionou a
criação do RFS do Morro São Pedro, como forma de compensação ambiental dos mais
de 200 hectares de banhados e outras áreas úmidas de planície transformados em
lagoas de tratamento de esgotos domésticos, reunindo a maior parte dos dejetos
líquidos de toda a cidade (80%
a 85%). (Figura 2).
Figura 2. Volumes e percentuais de tratamento de esgotoss em Porto Alegre entre 2013 e 2020. Fonte da imagem: https://gauchazh.clicrbs.com.br/ (30/05/ 2022)
No que se refere, às Unidades de Conservação de Porto Alegre, amparadas pela Lei Complementar no 679/2011 do Sistema Municipal de Unidades de Conservação (SMUC), ocorrem quatro UCs (Reserva Biológica do Lami J. Lutzenberger, Refúgio da Vida Silvestre Morro São Pedro (Figura 3), Parque Natural Morro do Osso (Figura 4) e parcela restante do Parque Saint-Hilaire (130 hectares dentro de Porto Alegre, no que sobrou de um área anterior de mais de 1000 ha, 85% doada à Viamão,) prevendo-se corredores ecológicos (que já constam no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, mas ainda não implantados), além de 10 Parques Urbanos. A RBL, originalmente possuía 77 hectares, sendo ampliada, nas últimas décadas, para 204 hectares, principalmente no período da recebendo o nome RBL José Lutzenberger.
Figura 3. Refúgio da Vida Silvestre Morro
São Pedro https://prefeitura.poa.br/smamus/refugio-de-vida-silvestre-sao-pedro
Figura 4. Parque Natural Municipal Morro do Osso (Jornal do Comércio, (6/6/2017) https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/06/politica/566832-area-no-morro-do-osso-e-o-maior-precatorio-de-porto-alegre.html
No ano de 1989, com a
posse do Secretário Caio Lustosa,
durante o governo Olívio Dutra, a SMAM desencadeou uma série debates internos e
participativos com seus servidores para reestruturar o organograma da
Secretaria. No que se refere às áreas naturais, a SMAM desenvolveu na década de
1990 a Coordenação do Ambiente Natural
que também atuava, em conjunto com a Secretaria de Planejamento Municipal (SPM) e outras pastas, buscando a
compatibilização das propostas de conservação e estrutura urbana mais ecologicamente
sustentável e resiliente.
O Departamento de Esgotos
Pluviais (DEP), o Departamento de
Limpeza Urbana (DMLU), entre outros setores,
inclusive planejando a cidade com base na visão e gestão das microbacias
hidrográficas junto aos arroios, como um avanço na gestão urbana, evitando-se desregramentos e
construções irregulares, destacando-se um dos projetos, chamado “Arroio Não é Valão”.
Ainda na década de 1990, houve avanço no fortalecimento do Fundo Municipal de Meio
Ambiente (FUNPROAMB), que arrecada recursos de compensações de
empreendimentos que implicam em corte de árvores ou supressão de vegetação,
para investimentos em projetos, programas e atividades essenciais
diferenciadas, além de disponibilizar, até 2016, 10% de seus recursos para
projetos ambientais, sob Editais de concorrência por qualidade, para entidades
ambientalistas. Entidades como InGá,
Econsciência, Amigas da Terra obtiveram recursos para projetos, em concorrência,
via editais, porém a partir de 2016 foram interrompidas estas modalidades. O
InGá desenvolveu os projetos Frutas Nativas de Porto Alegre
e Cinema na Escola.
No final da década de
1990 e início dos anos 2000, foi elaborado o primeiro um Plano Diretor de Arborização Urbana
(PDAU) do país, por meio de iniciativa dos técnicos da SMAM, aprovado pelo
Conselho Municipal de Meio Ambiente (Resolução COMAM n. 5 de 2006). Tivemos, também,
na SMAM, quatro Zonais de
arborização urbana e gestão de praças (Norte, Leste, Sul e Centro), com
infraestrutura humana formada por equipes de pessoal capacitado, formadas por
técnicos, auxiliares-administrativos, capatazes, jardineiros, operários, além
de equipamentos para plantios, podas e manejo da vegetação urbana. Os programas
de arborização eram realizados de forma descentralizada, além de plantios com
as comunidades, havia manejo de vegetação e manutenção de praças e parques. As
comunidades cuidavam das mudas plantadas em integração entre as zonais e a
população dos bairros, reduzindo a perda (morte das mudas) a índices
baixíssimos. Durante algumas décadas, ocorreu o tombamento de árvores,
via decretos, que garantia um olhar diferenciado. Foram quase mil árvores
tombadas, em sua maioria em vias públicas. No Governo de Nelson Marchezan Jr.,
houve a tentativa de derrubada destes decretos, iniciativa interrompida na
justiça.
Neste patrimônio
invejável da SMAM, a experiência de seus técnicos contribuiu para dar origem à Sociedade Brasileira de Arborização Urbana
(SBAU), sendo os mesmos os seus principais fundadores. A SMAM já teve mais
de 500 funcionários, situação que se reduziu drasticamente nos dias atuais.
Em 1998, foi elaborado o Atlas
Ambiental de Porto Alegre, coordenado pelo
professor Rualdo Menegat, da UFRGS, com apoio da SMAM e Prefeitura de Porto
Alegre, constituindo-se em uma obra inédita, de extraordinária importância no
entendimento da paisagem natural e urbana, além da geobiodiversidade de Porto
Alegre, auxiliando a gestão ambiental do município. Em 2008, outra publicação
importante, o Diagnóstico Ambiental de Porto
Alegre, coordenado pelo professor Heinrich Hasenack,
também da UFRGS, mapeou e descreveu aspectos geológicos e da cobertura vegetal
e os aspectos urbanos de Porto Alegre.
A experiência acumulada
de um órgão de Estado, independentemente de governos, manteve técnicos e demais
funcionários em uma secretaria que gerenciava parques, praças, além de um Viveiro Municipal, com mais de 50
funcionários experientes envolvidos na produção de dezenas de milhares de mudas
nativas por ano, com coletas de sementes, marcação de matrizes arbóreas com
mais vitalidade.
Cabe destacar também que
outras secretarias, além da SMAM, atuaram em conjunto às políticas ambientais,
como a Secretaria Municipal de Educação (SMED),
neste caso em Educação Ambiental formal,
com a equipe de professores das escolas municipais, que eram valorizados até
cerca de 15 anos atrás. A Secretaria de Educação dispunha de dois ônibus da
Carris (Smedinhos) para conduzir estudantes a conhecer diferentes áreas da
cidade, entre elas, as áreas verdes dos parques e a Reserva Biológica do Lami.
O Departamento Municipal
de Água e Esgotos (DMAE) também
realizava estudos sobre a qualidade das águas do Guaíba, possuindo equipe de
técnicos qualificados, em integração com especialistas em algas, pertencentes à
então Fundação Zoobotânica (hoje
extinta), tendo ênfase ao plâncton, entre os aspectos avaliados incluem os
fenômenos de floração excessiva de cianobactérias tóxicas nas águas do Guaíba.
O Departamento de Limpeza
Urbana (DMLU) possuía um programa inédito
e prioritário na Coleta Seletiva e Reciclagem de resíduos urbanos, com apoios
aos galpões e centros de triagem de resíduos sólidos. A educação ambiental
relacionada a isso era uma prioridade até os governos da Administração Popular.
O transporte público também
teve preocupação em incorporar pela Companhia
Carris a qualidade de motores menos poluentes, situação que foi perdendo
qualidade nos últimos governos, resultando na recente privatização total do
transporte da cidade, com menos qualidade, opções de trajetos, horários de
linhas e menor conforto. Com efeito, parte da população desistiu do transporte
coletivo e busca menos dificuldades por meio de veículos particulares, taxi e
aplicativos, o que implica em mais poluição do ar e mais engarrafamentos.
2. A
desestruturação das políticas socioambientais em Porto Alegre
Os desmontes das
políticas ambientais na administração municipal começaram a partir de 2005, com
o fim do período de quatro gestões da Administração Popular, se aprofundando
entre 2017 e 2024, desde o governo de Nelson Marchezan Jr. até o atual governo
Sebastião Melo. Há quatro anos, já havíamos analisado e colaborado na
elaboração do documento denominado Dar Visibilidade à Temática Ambiental
nas Eleições Municipais de Porto Alegre.
Na gestão atual, do
prefeito Sebastião Melo, a SMAM foi
substituída por SMAMUS, sem ter
havido nenhuma discussão com a sociedade, incorporando-se, portanto, os dois nomes:
Urbanismo e Sustentabilidade. Quanto ao primeiro, praticamente foi motivo para
extinguir a Secretaria de Planejamento Municipal (SPM), misturando um conceito
de urbanismo, de interesses de
mercado e sem política clara de planejamento, com o tema da proteção ambiental,
esvaziado na prática, em áreas que nunca tiveram integração e agora tendem a
refletir conflitos de interesses.
O urbanismo foi incluído
na estrutura da SMAM, mas destituído de um contingente em número suficiente de
técnicos que viessem a dar prosseguimento ao planejamento racional da cidade, e
que mantivesse a expertise histórica de secretaria anterior. O segundo conceito,
no que chamam de sustentabilidade, é
incompatível com a progressiva precarização do órgão ambiental e das políticas
de transporte, saneamento, drenagem, abastecimento de água, tratamento de
resíduos, via privatização dos serviços públicos. O termo sustentabilidade
tornou-se muito mais um conceito vazio, de propaganda enganosa, e profundamente
contraditório com a realidade de uma cidade que não têm planejamento de
ocupação, pois o mercado é quem dita as regras.
Nessa visão imediatista,
onde os negócios pesam mais do que a qualidade de vida da maioria da população,
tanto a Secretaria de Planejamento Municipal como a Coordenação do Ambiente
Natural não interessavam aos últimos governos municipais neoliberais, por isso
desapareceram. No organograma atual da SMAMUS, a
CAN não existe mais e o termo biodiversidade tampouco consta. No tema da
biodiversidade, a SMAM, nas gestões de Nelson Marchezan Jr e Sebastião Melo,
houve a tentativa de arquivamento da
iniciativa do InGá, em propor o reconhecimento oficial das espécies ameaçadas da flora do RS com ocorrência natural em Porto
Alegre, situação revertida, por nossa iniciativa, que resultou na Resolução Comam n. 02/2024
que reconhece, prioritariamente nas políticas públicas relativas à proteção da
biodiversidade, a existência de 80 espécies de plantas ameaçadas no território
do município.
Um
exemplo da inversão de prioridades foi o que ocorreu na Ponta do Arado, em Belém Novo, frente
ao estímulo da prefeitura para a construção do Empreendimento Arado Velho, prevendo-se imenso aterro de banhados
da margem do Guaíba, mobilizando a população local, tanto na defesa dos
direitos dos Mbya-Guarani nesta área como na defesa em um de áreas naturais da
orla. Fato semelhante, por estímulo da prefeitura, ao empreendimento Loteamento
Ipanema, da então empresa Maiojama em um dos maiores remanescente de Mata
Atlântica do bairro de mesmo nome. Tal ameaça fez surgir o Movimento Preserva Arroio Espírito Santo, em Ipanema, além do Movimento Preserva Zona Sul, contra a
construção de mais de uma dezena de edifícios e ruas num bairro
tradicionalmente de lazer e turismo a toda a população.
A Equipe de Fauna está hoje muito desfalcada, sendo que originalmente
possuía três técnicas, há mais de 30 anos, consta com somente uma técnica para dar
conta de toda a cidade, com mais de 1000
atendimentos só no ano de 2023. Ou seja, não há equipe
e tal situação denota desinteresse político em fortalecer uma equipe
fundamental para tratar da fauna de Porto Alegre e suas interações com a população.
Tal sobrecarga, à semelhança do que ocorre na arborização, constitui-se em
desestímulo para uma função importante, destacando-se aqui as mortes de bugios-ruivos,
espécie ameaçada de extinção, alvo de choques elétricos na fiação (sem
cuidados) nas áreas naturais das zonas sul e extremo sul de Porto Alegre. Na
orla do Guaíba, cabe destacar a presença de quelônios (tartarugas) que
depositam seus ovos em área hoje em urbanização, promovida pela prefeitura, com
ameaças a estes locais, como no caso do Anfiteatro Pôr do Sol.
No que se refere ao Orçamento Participativo na realização
de obras demandas da população, houve um crescimento em 1989, mas uma redução
drástica a partir de 2005, como mostra a Figura 5. A participação da sociedade
também foi definhando e a captura de lideranças por parte da prefeitura no OP
foi flagrante.
No caso da Educação,
segundo o Vereador Jonas Reis (PT), o prefeito Melo desmontou o Conselho Municipal de
Educação (Lei Complementar n° 953/22), reduzindo a participação da sociedade
civil, ao mesmo tempo que ampliou a participação de empresas privadas da
educação. Segundo o vereador, o governo e o setor patronal das escolas privadas
têm a maioria no conselho, sendo excluídas as representações dos funcionários
das escolas, do movimento comunitário, dos orientadores educacionais e dos supervisores
educacionais.
Como agravante do aumento
dos interesses privado na cidade, na gestão atual foi criada a Secretaria
Municipal de Parcerias (SMP), dirigida pela contadora Ana Pellini, que tem
histórico e expertise na flexibilização da legislação ambiental (Sema e Fepam) e
na agilização da transferência de espaços públicos, como os parques da Orla,
para espaços privatizados, agora chamados, pela prefeitura, de “Trechos” submetidos às concessões privadas
de áreas de grande interesse à população como a orla do Gasômetro, do Parque Harmonia (Maurício Sirotsky Sobrinho),
Parque Marinha do Brasil, Anfiteatro Pôr do Sol, etc..
O Parque da Redenção, que teve ameaça de construção de um estacionamento subterrâneo para mais de 500 automóveis, também sofreu a intrusão de um espaço de comércio de gastronomia, chamado Refúgio do Lago (Figura 6), apelidado pelo Coletivo Preserva Redenção como "Refugo do Lago". Sua localização foi estabelecida onde estava historicamente o Orquidário Municipal, desativado e demolido pelo governo anterior, sendo a área submetida a cortes de árvores, perdendo-se área verde direcionadas para finalidades comerciais, prejudicando a fauna local. Neste caso, os gambás (que pertencem à fauna original do local) foram alvo de armadilhas ilegais para captura e soltura destes animais em outro município por parte da empresa permissionária deste espaço. Houve protestos também por parte do Coletivo Preserva Redenção Tampouco existia projeto de tratamento de esgotos no local, o que gerou protestos e uma infeliz facilitação de parte da Prefeitura.
O Parque Harmonia foi o que mais sofreu (Figura 7) com a retirada de sua vegetação, a partir da ausência de um licenciamento ambiental necessário para empreendimentos de tal magnitude, com o planejamento de instalação de dezenas de prédios e equipamentos que substituíram áreas verdes, além da autorização de supressão de 432 árvores, e derrubada de mais de uma centena de árvores, com aterros prejudiciais e destruição de vegetação de gramados e ambientes que representavam abrigo para 85 espécies de aves, por exemplo. Cumpre lembrar que a substituição de áreas verdes por asfalto teve como intenção de abrir uma ampla área de estacionamento para mais de 1.500 vagas de automóveis.
Paulatinamente, no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e
Ambiental (PDDUA) as áreas rurais foram sendo substituídas
por áreas urbanas, perdendo a
prioridade de se manter a produção de hortigranjeiros, frutas e pecuária, estimulando-se
a urbanização em espaços de ocupação mais rarefeita e sem vocação para o
urbanismo, a partir da elevação dos valores do Imposto Territorial Rural (ITR) para Imposto Territorial Urbano (IPTU). Diferentes artimanhas foram
direcionadas ao PDDUA,
com a intenção contínua de favorecer empreendimentos imobiliários, com a
concomitância da flexibilização das áreas naturais e rurais de Porto Alegre. Apesar
de mais de 1/3 de áreas com vocação de manter a Zona Rural, que foi reduzida a
menos de 8% dos 49 mil hectares do município.
Quanto aos programas,
como o Programa Guaíba Vive,
lamentavelmente, não houve mais nenhum projeto similar, e as praias do Guaíba
não avançaram no controle da poluição, e a Orla do Guaíba, na administração do
Prefeito Sebastião Melo, transformando-se, nos chamados “Trechos da Orla” em
espaços para eventos, gastronomia, estacionamentos para automóveis
particulares, etc., em um ritmo sem fim de perdas de áreas verdes públicas para
concessões privadas e atividades que geram eventos, gastronomia e outros
negócios destoantes das finalidades das áreas verdes, onde a contemplação da natureza foi substituída pela
contemplação ao consumo.
No tema arborização, a partir de 2017, a
administração do prefeito Nelson Marchezan Jr. fechou as zonais da SMAM,
retrocedendo na atuação de técnicos lotados nos bairros. No que se refere ao
tombamento de árvores de importância para a cidade, no que resulta em maiores
restrições à supressão, o governo do então prefeito Marchezan Jr. tentou derrubar todos os decretos de tombamento de
árvores em Porto Alegre, porém a Justiça, a
por iniciativa do MPRS, reverteu
a tentativa do então prefeito realizados por prefeitos anteriores.
Até o final da década de
1990, ou mesmo no início deste milênio, o planejamento do plantio de árvores
era realizado pela Secretaria, em geral pelas Zonais. Desde mais de uma década
para cá, com a aposentadoria de técnicos e demais funcionários, a prefeitura
vêm destinando a terceirização dos
serviços públicos a empresas, entretanto sem a experiência acumulada pelos
funcionários mais antigos.
Em 2020, denunciamos o
descaso com a arborização, já que está havendo um arboricídio em Porto Alegre (Figura 8).
Segundo uma matéria do veículo O
Matinal, o corte de árvores em Porto Alegre está crescendo
desde 2012, a partir da terceirização do serviço de remoções, sendo que a média
anual passou de 2.419 remoções, entre 2007 e 2011, para quase 4 mil no período
entre 2012-2016.
A partir de 2017, houve o
abandono do Viveiro Municipal,
depois de um problema de fornecimento de luz ao espaço por mais de três anos, com
a tentativa de fechamento do mesmo por parte do então secretário da SMAM, Maurício
Fernandes (Figura 9). Tal situação gerou indignação e uma ação na justiça por parte do
InGá e apoio do Ministério Público do Rio Grande do Sul, no sentido de obrigara
a sua retomada, o que foi feito a partir de 2022. Foram gastos mais de 2
milhões de reais para sua reestruturação, com recursos do FUNPROAMB. Caso não
existisse a ação na justiça, o viveiro não existiria mais.
Quanto ao DMAE, hoje está profundamente desfalcado com menos de 40% do contingente existente há cerca de duas ou três décadas. Os resultados desastrosos das enchentes em Porto Alegre têm relação estreita com a desestruturação do DMAE.
No que se refere ao Fundo Municipal de Meio Ambiente
(FUNPROAMB), os recursos de 10% previstos para projetos pelas entidades
ambientalistas tiveram seus editais cancelados a partir de 2017 e com a
retirada do FUNPROAMB da SMAMUS, centralizado agora pela prefeitura, a partir
de junho de 2024, com a alegação de serem usados em emergências para
atendimento aos danos provocados pelas enchentes.
Lembramos que as
enchentes catastróficas em vários bairros da cidade (Figura 10), onde dezenas de milhares
de pessoas perderam tudo, são também resultado do abandono e profunda
precarização da estrutura e do sistema de proteção às cheias (dique, muro,
comportas e bombas), como um projeto que visa o esvaziamento e substituição do
DMAE por contratação de serviços por empresas privadas. Cabe lembrar que o
prefeito e vários vereadores de sua base eram favoráveis
à derrubada do Muro da Mauá.
Durante mais de um mês, vários entulhos de móveis e outros materiais e resíduos permaneceram abandonados nas calçadas de bairros mais afastados do Centro, no caso Sarandi e Humaitá, sem recolhimento, gerando foco de vetores de doenças e maior prejuízo às populações já desassistidas.
Uma das últimas “cerejas
do bolo” da desestruturação das políticas públicas na administração de Porto
Alegre foi a extinção de fundos públicos
de várias áreas, entre elas o da ambiental. Após a calamidade
climática-ambiental de maio de 2024, o governo de Sebastião Melo obteve uma lei
que retira e centraliza os recursos dos diferentes Fundos, inclusive retirando
recursos do FUNPROAMB,
via Decreto
n. 22.647/2024 e Lei
Complementar n. 1014 de 21 de junho de 2024.
Um dos pontos marcantes do retrocesso foi o caso da retirada de seus administradores dos Parques de Porto Alegre, técnicos da SMAM, sendo, portanto, desativada a gestão local, que antes era existente. Em lugar deles, o prefeito nomeia “prefeitos de parque”, sem nenhum processo democrático, republicano ou impessoal, o que resulta, em sua maioria, uma indicação que gera tendência a alinhamento político ao prefeito e descompromisso em possuir gestores técnicos, da secretaria de meio ambiente, em número suficiente para uma gestão ambiental pública e defensora do meio ambiente.
Quanto ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), houve
um enfraquecimento da participação
democrática das entidades, a partir de 2017. Em meados daquele ano, o então
Secretário da SMAMS elaborou, de forma unilateral, um edital que excluía a
representação das entidades ambientalistas no Conselho, de forma autônoma, via
Apedema, o que ocorria, anteriormente, há mais de 20 anos. Esta situação se aprofundou,
a partir de 2020, incluindo sorteio, em vez de uma eleição, no caso da
existência de mais de entidades por vagas.
Quanto ao tema
climático, a prefeitura de Porto Alegre contratou uma ONG internacional de
nome ICLEI, que recebe recursos como consultoria, para elaboração de um
Plano de Mudança Climático que é irreal para uma cidade que facilita a ocupação urbana por parte de
grandes condomínios de classes alta e média sobre as áreas naturais e rurais da
zona sul e leste, destrói áreas
verdes, fragiliza o transporte coletivo público, promove aumento de consumo desnecessário de energia
elétrica (Figura 11) o que implica em mais liberação de gases de efeito
estufa, como exemplo em painéis luminosos,
e também de propagandas que induzem maior consumo dispensável, incrementando a
poluição visual. Isso tudo, justamente, na recente capital da calamidade
climática mundial.
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3. A retomada da resistência e das lutas de entidades e
movimentos para a interromper o processo e transformar a cidade em
empreendimentos de negócios
Há muita
história de construção de políticas ambientais em Porto Alegre,
com base nas mobilizações da sociedade e
no período de 16 anos da Administração
Popular. Deve-se barrar as muitas iniciativas de parte dos governos
neoliberais em destruir conquistas socioambientais.
A calamidade
climática-ambiental que destruiu lares e condições de vida ainda mais
precarizadas pela enchente em Porto Alegre é resultado do abandono do sistema
de proteção às cheias (comportas emperradas no muro da Mauá, casa de bombas de
drenagem com vários danos de falta de manutenção, diques fragilizados, et.).
Existe uma responsabilidade evidente de uma administração municipal no
agravamento desta calamidade que, pela lógica do “Estado Mínimo”, esfacelou o serviço público e privilegiou empresas
que visam ao lucro acima de tudo.
Apesar
do contexto de retrocessos, o ambientalismo se renova em nossa cidade, com movimentos
vivos em vários cantos. O momento das eleições de
outubro de 2024 constitui-se em uma das grandes oportunidades, sem dúvida a mais importante, para a reflexão e a busca do restabelecimento de políticas ambientais de reconstrução de estruturas e ações mais perenes para as garantias socioambientais, já
asseguradas pela Constituição Federal de 1988.
Estamos neste movimento há décadas e nos sentimos na
responsabilidade de contribuir para esclarecer o histórico dos processos atuais
para a mudança de cenário, para melhor, em prol da natureza e da qualidade de
vida da maioria da população de Porto Alegre.
Tamo junto, Brack!
ResponderExcluirExcelente registro histórico, professor, parabéns!
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