domingo, 24 de abril de 2016

Licenciamento ambiental sob ataque severo do poder econômico

Biol. MSc. Eduardo Ruppenthal 

          Eles não sossegam! Depois do retrocesso com a flexibilização do Código Florestal Brasileiro (atual lei 12.651, de proteção à vegetação nativa), que tem a sua constitucionalidade ainda discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) através de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o alvo da vez é o licenciamento ambiental. E ainda, não bastasse o crime ambiental da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana cujo vazamento não foi contido e nem punido, as grandes empreiteiras, as construtoras e as empresas nacionais e internacionais do agro-hidro-mineronegócio, detentoras do poder econômico, estão agindo em favor de mudanças profundas para acabar com qualquer regulação ambiental no país.
Prestes a completar 35 anos da construção do marco legal ambiental brasileiro, o licenciamento possui falhas e questionamentos, principalmente relacionados aos problemas históricos de estruturação dos órgãos ambientais, nos níveis federal, estadual e municipal. Entendemos ser esta uma política deliberada e intencional dos governos como forma de fragilizar a atuação desses órgãos no cumprimento de suas atribuições legais tanto na gestão, no licenciamento e na fiscalização ambiental. Aliado a esse descaso proposital, vemos a complexa questão ambiental ser brutalmente simplificada numa orquestração entre os agentes do poder econômico e os da mídia comercial, esta que não aceita nenhuma política de regulação. Estes dois agentes sociais tratam a questão ambiental como um mero caso de “morosidade”, “atraso” e “entrave” ao “desenvolvimento”, ou traduzindo, como um problema aos seus lucros gananciosamente absurdos.
Atualmente há três propostas de mudanças profundas neste marco legal aparentemente vindas de três frentes. Entretanto, possuem o mesmo propósito de flexibilização. A primeira proposta está no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e foi apresentada pela ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente) [como Nova Resolução do Conama], entidade que representa as secretarias estaduais do Meio Ambiente; a segunda, é o Projeto de Lei 3.794, de 2014, elaborado pelo deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP) e está na Câmara Federal; a terceira, é o projeto de Lei 654, de 2015, apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR), está no Senado e é uma das 28 medidas da Agenda Brasil. Sendo esta “Agenda” apresentada como uma forma de “sair mais rápido” da crise, mas entenda-se como uma forma de manter e ampliar o lucro das empresas através da implantação de um processo sumário de licenciamento ambiental de projetos ditos “estratégicos” pelo governo e de “interesse nacional”. Essa medida também está presente no programa “Uma ponte para o Futuro”, proposta pelo PMDB ao governo quando ainda era aliado, e que estará na pauta em um eventual governo Temer.
As propostas da Abema e dos congressistas, mesmo com diferenças, são destruidoras da legislação ambiental e esclareceremos o porquê nos próximos textos que divulgaremos. Pois, as nuances entre elas constituem a estratégia utilizada pelos campos políticos interessados no desmonte da legislação ambiental, denominada “bode na sala”, ou seja, o aniquilamento total defendido por Romero Jucá é até a proposta “menos pior” que a representada pela Abema. Estas três iniciativas não nos surpreendem já que os dois congressistas integram o grupo dos “representantes públicos” que atuam em defesa de seus interesses próprios e de seus financiadores de campanha. Quanto à Abema, mesmo que tenha certa legitimidade, é composta por “gestores públicos” que tiveram indicação política com o objetivo de providenciar a liberação das licenças. E assim vimos os órgãos ambientais serem transformados em verdadeiros balcões de licenciamento, onde a visão que impera sobre o meio ambiente é de um “entrave” ao “desenvolvimento”.
 Coincidentemente, o direito à informação, o primeiro dos dezesseis direitos humanos violados na construção de grandes empreendimentos, como hidrelétricos, também é violado na discussão desse tema de extrema importância e dos iminentes riscos de retrocessos. Além do silenciamento da mídia comercial, o Conama abriu o período de consulta sobre a proposta da Abema durante o carnaval deste ano, o que fez com que o Ministério Público Federal (MPF) conseguisse prorrogar a definição sobre o tema. Por isso, aconteceram audiências públicas em vários estados. No Rio Grande do Sul, a audiência foi em 11 de abril e promovida pelo Ministério Público Estadual com a colaboração de vários especialistas na área, como os professores e pesquisadores da área ambiental, dentre eles os da UFRGS. Naquele momento ficaram evidentes os interesses por trás das propostas. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) caracterizou as propostas como um retrocesso. Sua posição é de que se não houver mudanças profundas nas três referidas propostas, ações judiciais serão necessárias para questionar a sua constitucionalidade dentro do princípio do não retrocesso ambiental, assim como ocorreu diante da flexibilização do Código Florestal. 
Nos próximos textos, discutiremos cada projeto e desvendaremos o verdadeiro significado de cada mudança proposta. O presente da biodiversidade brasileira está ameaçado, por isso não podemos permitir que ocorram outros retrocessos na legislação ambiental. Em tempos de crimes ambientais como aquele que vitimou os habitantes de Mariana e os demais situados nos 700 km do Rio Doce, não admitiremos o esquecimento nem o risco de repetição. Os delinquentes do meio ambiente não passarão! 

Eduardo Luís Ruppenthal é Professor da Rede Pública Estadual de Ensino, Biólogo e Mestre em Desenvolvimento Rural pela UFRGS. Membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema).  


sábado, 26 de março de 2016

Parecer do InGá sobre empreendimento Alphaville II, em Porto Alegre, RS, Brasil

Segue parecer do Ingá apresentado na Câmara Técnica de Áreas Naturais e Paisagem Urbana (18/03/2016) sobre empreendimento Alphaville II , que está planejado para um terreno de mais de 430 hectares, em áreas rurais e naturais da zona Sudeste do Município de Porto Alegre, na bacia do  arroio do Salso, a ser apreciado pelo COMAM


Ao Presidente do COMAM e Secretário Municipal de Meio Ambiente, Eng. Mauro Moura

À Presidência da Câmara Técnica de Biodiversidade e Paisagem Urbana do COMAM
Eng. Agr. Andréia Loguercio e demais membros da CT do COMAM.

Assunto: Análise pelo Ingá [Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais] sobre o EIA-RIMA do Empreendimento Urbanístico Alphaville Porto Alegre 2 (Profil, Novembro de 2013)

Prezados(as) Senhores(as):

Na condição de membros da Câmara Técnica de Biodiversidade e Paisagem Urbana do COMAM, como colaboração a esta Câmara Técnica e ao Conselho, em relação à nossas análises do EIA-RIMA do empreendimento Alphaville II, realizadas no ano de 2015, vimos submeter pelo presente ao COMAM uma versão atualizada de nossa análise, com apoio de membros da CT:

1.      Constatamos que no EIA-RIMA do empreendimento não houve referência ao mesmo estar inserido no Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Portaria MMA n. 9 de 23 de janeiro de 2007), já que parte desta área está na categoria de Alta Importância (figura em anexo) associada ao corredor ecológico do arroio do Salso;

2.      Verificamos que os impactos apresentados não apresentam adequadamente as alternativas locacionais e que as áreas de influência diretamente e indiretamente afetadas (ADA ou AID) deveriam estar focados na bacia do arroio do Salso, conforme é destacada pela Resolução do Conama  n. 01 de 1986. Conforme abaixo descrito:
“Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;
II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;
III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza(grifo nosso).
3.      Considerando o terreno tratar-se de áreas predominantemente naturais e rurais, não existe qualquer análise com referência ao mapeamento dos Corredores Ecológicos, item já previsto no ART. 88 do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano –Ambiental de Porto Alegre, situação que é pertinente já que se trata de terreno quase exclusivamente em áreas naturais e rurais.
4.      Verificamos que no EIA-RIMA não houve referência quanto à presença de remanescentes da Mata Atlântica que inclusive já fazem parte do mapeamento do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) - SOS Mata Atlântica (2012).
5.      Verificamos no lote previsto para o empreendimento a ausência de identificação das áreas úmidas, em especial à presença de banhados conforme preconizado na legislação estadual, e seu enquadramento em APP (Áreas de Preservação Permanente).
6.      Consideramos que a amostragem realizada na área é estatisticamente insuficiente para demonstrar os aspectos quali-quantitativos da vegetação florestal, do mesmo modo verificamos que a presente amostragem não é capaz de demonstrar tratar-se de estádio médio, e sim as evidências dão conta de tratar-se de estádio avançado, conforme a Resolução do Conama n. 33 de 7 de dezembro de 1994 que define os estágios da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul.  
7.      Consideramos insuficiente a determinação botânica da espécie Ocotea sp., já que o Decreto Est. 52.109/2014, que define a Lista das Espécies Ameaçadas da Flora do Rio Grande do Sul, existe a presença em Porto Alegre da espécie ameaçada Ocotea catharinensis (canela-preta ou canela-imbuia), que ocorre na zona Sul de Porto Alegre, assim sendo é importante que a planta deste gênero seja identificada corretamente;
8.      Constatamos que não houve a demarcação em mapa das espécies ameaçadas da flora e da fauna (Legislação Estadual e Federal) no terreno proposto para o empreendimento e possíveis consequências para a mesma, já que a Lei Orgânica de Porto Alegre, em Art. 245 da define:  “Consideram-se de preservação permanente: I – as nascentes e as faixas marginais de proteção de águas superficiais; II – a cobertura vegetal que contribua para a resistência das encostas a erosão e a deslizamentos; III – as áreas que abrigam exemplares raros, ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos, da flora e da fauna, bem como aquelas que servem de local de pouso, abrigo ou reprodução de espécies migratórias (grifo nosso).
9.      Consideramos que não houve avaliação das consequências decorrentes da implementação do empreendimento para a flora e a fauna ameaçadas ou raras, em especial animais terrícolas frente a intervenções como terraplenagem, arruamentos, cercamentos, canalização e rede elétrica, entre outras;
10.  Constatamos que não houve definição e cálculos de percentuais no tocante às áreas protegidas e às áreas verdes, bem como uma melhor definição e diferenciação entre estas, já que desempenham papeis nem sempre os mesmos, o que prejudica a análise;
11.    Verificamos que a Avaliação de Impacto Ambiental (A I A) do EIA do empreendimento Alphaville II não apresenta uma matriz de impactos bem como as respectivas escalas de valores de magnitude, temporalidade, reversibilidade dos mesmos, o que compromete a análise. Em tabela em anexo realizada por nós, constatamos a presença de 34 impactos negativos e somente quatro (4) que poderiam ser considerados positivos;
12.   Constatamos a ausência da apresentação de um mapa quali-quantitativo de suscetibilidade dos terrenos à erosão, já que o risco é evidenciado no EIA, mas não tem sua localização apresentada, e relembramos o ART. 236 da Lei Orgânica considera de preservação permanente a “cobertura vegetal que contribua para a resistência das encostas a erosão e a deslizamentos”.

Conclusão Geral
Verificamos que os estudos apresentados no presente EIA-RIMA não revelam adequadamente a riqueza ambiental da área inserida no Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Port. MMA N. 9 de 23 de janeiro de 2007), na categoria de Alta Importância. Ademais a Lei Orgânica, em seu Art. 236 define como Áreas de Preservação Permanente aquelas que abrigam espécies ameaçadas, presentes na área, entretanto não demarcadas adequadamente no terreno. Tampouco existe abordagem adequada dos impactos sobre a bacia do arroio do Salso. Consideramos inviável a construção de empreendimentos de tal porte em áreas com tantos atributos, mesmo que com a ausência de análises adequadas, sendo que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deveria rever sua política ambiental para áreas de tal porte e riqueza ambiental altamente significativa, já que não conta com banco de dados sobre as espécies ameaçadas de extinção. Quanto aos impactos do EIA-RIMA do empreendimento Alphaville II, não houve uma apresentação clara e objetiva por parte dos requerentes, sendo que constatamos 34 impactos negativos e somente quatro (4) que poderiam ser considerados positivos. Ressalta-se que mais da metade da área é também classificada como Área de Proteção ao Ambiente Natural (APAN) pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre. Estas áreas apresentam vocação evidente para destinação para projetos mais adequados com a vocação ambiental, para criação de UCs de proteção Integral, como consta no Mapa das Estratégias para as APBio (MMA, 2007). Ademais, existem áreas mais adequadas em estrutura urbana para concentrações habitacionais de tal monta, já que o projeto prevê milhares de residências em áreas predominantemente rurais e naturais, na Capital brasileira com menor crescimento populacional, o que denota evidente especulação imobiliária sobre o Patrimônio Natural de Porto Alegre.
InGá - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Licenciamento Ambiental deve ser passado a limpo e fortalecer os instrumentos de Gestão Ambiental.

Reiteramos a solicitação em Ofício da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (Apedema - RS (Of. N. 1/2016), do dia 11 de fevereiro, junto com outras entidades do Brasil para que o Ministério de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de Meio Ambiente concedam maior prazo para a consulta pública e aumento da discussão sobre a atual proposta que prevê a substituição das Resoluções 001/1986 e 237/1997 no tocante ao licenciamento ambiental. O prazo exíguo de somente 4 ou 5 dias úteis, neste período de férias e de Carnaval, prejudicou ainda mais as contribuições de todos para a avaliação e aperfeiçoamento da nova Resolução. Ficou evidente que a proposta em discussão no Grupo de Trabalho da Câmara Técnica do Conama objetiva meramente a "agilização e simplificação" do licenciamento ambiental (ver por ex. os Art. 28, 29 e 30).


Simplificar processos que já são precários, desconsiderando que estamos comprometendo gravemente o recurso água, associado à complexidade e integridade de nossos ecossistemas, em perda crescente, e desconhecer que pesquisas internacionais dão conta de que estamos à beira da Sexta Extinção em Massa é profundamente injustificável. Só serve à velha visão imediatista de atividades econômicas a qualquer preço, que vige no mundo e aqui também. Por exemplo, No Brasil, a Lista Oficial da Flora Ameaçada aumentou 448% no número de espécies ameaçadas, entre 2008 e 2014. A Lista Oficial da Fauna Ameaçada aumentou em 307 espécies (65%), entre 2003 e 2014. Os órgãos ambientais estão preparados para licenciar atividade e empreendimentos, levando-se em conta os limites do estado de conservação das espécies e de seus ecossistemas? E a qualidade de água de nossos rios e do ar de nossas cidades, frente à poluição crescente, o que sabemos disso?

Porto Alegre, por exemplo, apresenta há duas décadas e meia seu sistema de monitoramento do ar praticamente sucateado e quase nunca funcionou. Por outro lado, concede licenças para operação de liberação de efluentes aéreos e hídricos por parte de uma das maiores empresas mundiais de celulose (para exportação), sem conhecer a qualidade do ar da Região Metropolitana da Capital, que abriga 1/3 da população deste Estado, com o agravante do mar de monoculturas de eucaliptos tomam conta do Pampa, mesmo com as restrições impostas pelo Zoneamento Ambiental da Silvicultura.

No que se refere a empreendimentos já licenciados, que atingem a biodiversidade, como no caso de hidrelétricas, por que a maior parte dos monitoramentos de empreendimentos, após as licenças, não são acompanhados e seus resultados não revertem em programas ambientais? O Ibama, os órgãos estaduais e os municipais acompanham a contento isso?  Como prever licenciar com mais “agilidade e simplificação” sem um mínimo de informação e sem programas de gestão ambiental? Por que se substituiu a palavra gestão ambiental pelo conceito reduzido à esfera cartorial, em Estados, no que se chama de “balcões de licenciamentos ambientais”? Por que até hoje, passadas décadas, não existe a realização de zoneamentos ecológico-econômicos nos biomas brasileiros? Por que não se promove a biodiversidade e a vocação ecológica de cada região? O que se sabe da capacidade de suporte dos ecossistemas inclusive em relação à poluição do ar, dos corpos d´água, do solo e da biota nos estados, nos municípios e no Brasil? Por que a explosão de monoculturas quimicodependentes e transgênicas de soja seguem crescendo desde o bioma Pampa até a Amazônia, sem licenciamentos ambientais e com resultados humanos desastrosos (contaminação de leite materno, municípios campeões em homicídios na região do Arco de Desmatamento da Amazônia)? 

Como dar sequência a processos de licenciamento se não existem banco de dados integrados, nem equipes em número suficiente e fortalecidas nos órgãos ambientais, sem tempo e/ou vontade política dos governantes para a necessária integração entre pastas e entre os âmbitos das diferentes esferas?

Vamos seguir avaliando os impactos caso a caso? Por que não avançamos para as Avaliações Ambientais Estratégicas e Integradas? Qual a legitimidade do licenciamento de empreendimentos e do planejamento de atividades econômicas se não existe interesse mínimo de parte dos órgãos ambientais e dos governos na implementação das políticas públicas ligadas ao Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (APBio, Port. N. 9, MMA, 2007)? Como explicar que 62%  dos projetos de hidrelétricas estejam sendo previstos pra as APBio e 25% deles atingindo área de categoria de Extrema Importância? O Ministério de Meio Ambiente vai seguir ausentando-se de seu papel nas diretrizes federais no limite de empreendimentos hidrelétricos por bacias, em especial no Pantanal, na Amazônia, no Cerrado e Mata Atlântica? Os estudos de impacto ambiental permanecerão com conflitos de interesse entre empreendedor e equipe consultora, ao contrário do que previa o Art. 7 da Resolução Conama 01/1986? Seus relatórios de impacto seguirão sendo peças de propaganda enganosa?

O licenciamento, na proposta atual, segue não prevendo garantir a existência de órgãos minimamente estruturados e integrados, fragilizados diante das pressões econômicas e políticas que desconsideram a viabilidade ambiental de seus projetos. Dever-se-ia exigir uma estrutura compatível mínima, o que não é o caso hoje, tanto nos órgãos municipais, estaduais e federais. É preciso passar a limpo as situações absurdas, não raras vezes também alvo de ações de investigação por parte da Polícia Federal, Ministério Público, em esquemas de corrupção, fraude em licitações, cartel de empreiteiras e que são resultado do descontrole inclusive também pela ausência de mecanismos de fiscalização externa. Aqui na Metade Sul do Estado, nem as obras do PAC, das barragens de Jaguari e Taquarembó, estiveram livres da investigação da Polícia Federal, após estudos de impacto ambiental incompletos e tendenciosos. No Litoral do RS, a mesma coisa, e a Operação Concutare, realizada pela PF em 2013, além de prender dois secretários e meio ambiente (um estadual e um da Capital), além de um ex-secretário estadual, descobriu um grande esquema de fraudes em licenças para condomínios fechados. Situação que também ocorreu em Florianópolis e em muitas praias do litoral brasileiro, onde parte da beleza paisagística sucumbe sob esquemas de licenças irregulares e/ou frouxidão dos órgãos diante da ganância imobiliária em grandes empreendimentos. E quando o Ministério Público é chamado para atuar, muitas situações já foram consumadas e só restam os TAC (Termos de Ajustamento de Conduta), de resultados nem sempre eficientes.

Flexibilizar o licenciamento é também atender a guerra fiscal entre estados e municípios. Se hoje a situação é de um verdadeiro apagão na área de gestão ambiental, sendo ausentes ou escassas as necessárias informações ambientais, inexistindo zoneamentos ambientais e tampouco avaliações conjuntas da sinergia de atividades e da capacidade de suporte de empreendimentos por bacia, sem os controles externos eficientes, estaremos aprofundando o corriqueiro processo de “Licenciamento no Escuro”. A situação de inação deliberada é favorável ao poder das grandes empresas degradadoras, da grande mídia que trabalha para elas, para não afetar os negócios do crescimento econômico (a qualquer custo), com o aval de governantes e as federações de empresas. Isso deve ter fim, entretanto, está bem difícil vislumbramos esta preocupação na nova Resolução proposta pela ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), no GT do Conama, que pode se tornar mais uma peça da esquizofrenia da má gestão pública, que anda a reboque da costumeira economia imediatista.

Manter este estado de coisas, sem passar a limpo as falhas do licenciamento que o transformaram em um “faz de conta”, e que resultou na maior tragédia ambiental de mineração no Brasil - o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale/ BHP, em Mariana (MG) - é algo inconcebível, vergonhoso e da esfera criminal. Da mesma forma, não dá para esquecer o caso da fraude do EIA-RIMA da UHE Barra Grande (RS-SC), que resultou na maior perda de Mata Atlântica conhecida no Sul do Brasil (6 mil hectares de florestas com araucária). A responsabilidade é de quem? O Ibama, neste último caso, declarou em 2005 que falhou, prometeu mudar para melhor o licenciamento, mas não mudou, por força da Casa Civil, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Agricultura e outros setores que subverteram as conquistas ambientais legais para manter os ganhos econômicos de sempre. 

Estaremos gerando mais e mais passivos ambientais e colapsos ecossistêmicos? Onde consta na presente resolução a superação destes crônicos e graves problemas, se nos “Considerandos” da atual proposta a palavra integração entre os órgãos (Resol. 237/1997) foi suprimida ou substituída por “harmonização”, que tem significado menos categórico na gestão ambiental?

Para destacarmos uma proposta objetiva na resolução, trazemos aqui a necessidade do retorno do Art. 7 da Resolução Conama N. 1 de 1986, que para evitar o conflito de interesses entre empreendedor e equipe consultora, assinalava que "O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados." Ou seja, os estudos de impacto ambiental deveriam ser realizados por equipes desvinculadas diretamente do empreendedor, sendo selecionadas em edital e contratadas por órgãos de Estado, como os Conselhos de Meio Ambiente, em uma Câmara Técnica específica e sob o acompanhamento dos Ministérios Públicos respectivos. O Art. 10 da nova proposta mantém a aberração do vínculo direto, que já tinha sido incluída na Resol. n. 237/1997. Assim, o faz de conta continua.

Que o Conama assuma seu papel de resguardar as conquistas importantes da Legislação Brasileira, fortalecendo o SISNAMA, reafirmando o Principio da Precaução, que é um acordo decorrente de compromissos internacionais do Brasil, após a Rio 92. Apelamos também para o papel dos agentes públicos do Conama e do MMA, possibilitando à sociedade brasileira que participe de uma nova proposta, verdadeira, que não represente imediatismos ou retrocessos, garantindo o direito ao meio ambiente equilibrado, como consta no Art. 225 da Constituição Federal do Brasil.

Paulo Brack (14-02-2016)

* professor do Instituto de Biociências da UFRGS
Coordenador Geral do InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais)


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Quanto vale a vida de um sem-terra assassinado? Para uma Câmara do TJRS, uma ninharia

"A morte do Elton Brum da Silva não foi considerada suficiente para encher o poço das lágrimas e do grande sofrimento dos seus familiares e companheiras/os", 
Por Jacques Távora Alfonsin*

A companheira, a filha e o pai do agricultor Elton Brum da Silva, assassinado pelas costas por um policial militar, durante a execução judicial de um mandado de reintegração de posse, no dia 21 de agosto de 2009, em São Gabriel, ajuizaram uma ação de indenização contra o Estado do Rio Grande do Sul, com base na responsabilidade civil deste, prevista em lei, pelas ações dos seus servidores públicos. 
A sentença reconheceu o direito em causa e condenou o Estado a pagar uma indenização por dano moral sofrido por essas pessoas, no valor de R$100.000,00 para cada uma. Para a filha, o mesmo julgado reconheceu o direito de ela receber uma pensão de um salário mínimo regional.
No dia 29 de janeiro passado, a 9ª Câmara cível do Tribunal de Justiça do RS, reformou a sentença, e o fez em reexame necessário (processo nº 70067526939), já que nem as/os familiares do Elton, nem o Estado  vencido na ação, interpuseram qualquer recurso contrário à dita sentença.
Sublinhe-se isso: nem o Estado vencido recorreu da referida sentença. Por unanimidade, mesmo assim, com parecer favorável do Ministério Público atuante naquele processo, a Câmara entendeu que o valor da indenização por dano moral deve  ser fixado em “R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), para cada uma das autoras (companheira e filha do falecido), e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para o pai da vítima, diante das particularidades do caso em concreto, especialmente à condição econômica das partes, a extensão do dano, a punição ao ofensor e a busca do caráter pedagógico da indenização.

Para o pensionamento da filha menor “fixar a quantia de um salário mínimo nacional, reduzido o percentual de 1/3, levando-se em conta que se presume que 1/3 dos rendimentos seria utilizado para a própria manutenção do falecido.”
Não faltaram argumentos de muito peso em favor dessa drástica redução, lembranças doutrinárias e acórdãos até de Tribunais sustentando  “legalmente” que, em casos tais, deve-se evitar um tal “locupletamento”, garantindo-se esse “caráter pedagógico da indenização”. 
O julgado todo, se for minimamente considerada a causa pela qual o Elton foi assassinado, escandaliza, cria uma indignação mais do que justificada nos familiares do Elton e a quem quer que seja dotado de um sentimento mesmo rudimentar de justiça. 
Não se lê uma palavra sequer, no acórdão da 9ª Câmara Cível, referindo, por exemplo, o fato de o país testemunhar com muita e triste frequência, decisões judiciais determinando desapossamento de terra, terminarem como aquela que acabou com a vida do Elton. 
Também ali não se lê nada sobre o fato notório de a vida desse pobre jovem agricultor ter sido interrompida pelo criminoso atraso dos Poderes Públicos em efetivar a reforma agrária, a que têm direito milhões de pobres sem-terra do Brasil, desde que o latifúndio aqui se implantou matando índias/os, quilombolas, grilando terras, desrespeitando posses centenárias, comprando registros, manipulando leis, corrempendo funcionários, montando CPIS em favor de seus privilégios, manipulando a mídia, enganando o povo, cercando e humilhando gente pobre sem defesa e apoio.    
Algum/a das/os nossas/os leitoras/es recorda ter havido nesses casos  o reconhecimento administrativo ou judicial do locupletamento ilícito, esse sim, dessa barbárie covarde dever indenizar os danos patrimoniais e morais que ela causou, causa e continuará causando às/aos sem-terra e ao país? Alguém tem alguma notícia de os Tribunais brasileiros recomendarem educação “pedagógica” para dar um fim nessa injustiça historicamente repetida? 
Pelo contrário, o que mais se ouve é o louvor do mérito desbravador dos bandeirantes no passado, feito à custa de milhares de Eltons, agora imitado por uma determinação judicial de que o próprio dano moral por eles/as sofridos com a morte de um parente “não exagere” na mensuração do valor dessa tragédia e, mais, isso sirva de lição para elas/es e outras/os vítimas da mesma injustiça social pela qual continuem morrendo. 
Com muito raras exceções, algum/a juiz/a se atreveu a reconhecer nessas violências a cumplicidade do Estado com a covardia inspiradora dessas violências, dessas agressões à dignidade humana, desses mandados próprios dos Estados de exceção, inconstitucionais não só por ferirem a letra dos direitos sociais de gente pobre que a obriga a ocupar terra para fazê-los valer, mas principalmente pela desumanidade própria das suas execuções, uma delas responsável por esse assassinato.  
A morte do Elton não foi considerada suficiente para encher o poço das lágrimas e do grande sofrimento dos seus familiares e companheiras/os.   A Nona Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu de direito e de justiça lhes acrescentar não só a diminuição dos valores com que a sentença mal e mal tentara compensar o que nenhum dinheiro é capaz de pagar, como ainda advertiu-os de que, assim o fazendo, contribui com a educação deles e de todas/os quantas/os brasileiras/os, na sua mesma condição reivindicatória, ousarem, no futuro, se socorrer do Judiciário para “fazer lucro” (?!) em cima da morte de um parente.
Um verdadeiro despropósito. É de se imaginar a vibração e o entusiasmo das/os inimigos das/os sem terra e da reforma agrária com esse julgamento: “Bem feito! Aí está mais um julgado, como muitos outros, forrados por doutas opiniões doutrinárias, para empoderar mais ainda o domínio crescente que temos sobre administradores públicos, leis e tribunais.” 
Como outros antecedentes jurisprudenciais, com pretensão “docente” como esse, pode-se fazer uma idéia precisa das razões pelas quais as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais valem tão pouco como o valor aqui julgado justo para quem confiou no Judiciário, pretendendo ver  minimamente reparada a morte desse agricultor.  A poderosa influência das/os inimigas da reforma agrária - pretenda ou não o acórdão desse reexame necessário - vai tirar o maior proveito desse julgamento. Vai-se locupletar ilicitamente com a reforma da sentença, baseada na circunstância de o valor da indenização devida pelo Estado, por força de um assassinato como o sofrido pelo Elton, é tão insignificante que uma Câmara de Tribunal de Justiça corta fundo os valores da indenização  devida aos seus familiares e ainda justifica essa  redução pelo razão de, mantidos os  valores fixados na sentença, eles acabarem lucrando com isso. 
Não se sabe se, na 9ª Câmara Cível do TJRS, alguém tinha conhecimento de que o sangue do Elton fecundou a terra de onde o mesmo Poder Judiciário determinou a sua saída, assim provocando a sua morte e provando o injusto e infeliz propósito dela. A famosa Fazenda Southall de São Gabriel, por trágica ironia do seu destino, é hoje um assentamento de agricultoras/es com direito a reforma agrária, testemunhando não ter sido em vão a sua morte se somado a tantas/os outras/os sem-terra assassinados por defenderem esse direito. 
Não serve de nenhum consolo para os familiares do Elton esse martírio, mas ele comprova, por mais uma trágica vez, quão diferentes são  as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais quando comparadas com os patrimoniais. A rapidez com que o mandado judicial de reintegração de posse acabou por assassiná-lo, levou-o para o túmulo no dia seguinte ao da sua morte, acompanhado por multidão de sem-terras, movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos e apoiadoras/es do MST.  Já o processo crime que apura a responsabilidade do policial militar que o matou, não tem a mesma pressa. Há quase seis anos vai tramitando ao ritmo do desinteresse habitual e costumeiro com que o Poder Judiciário caminha, honrosas exceções a parte. Daqui a pouco prescreve e o nosso chamado Estado de direito dá por cumprida mais uma das suas injustas atuações. Como a história ensina, a esperança de esse cortejo fúnebre ter seu fim não morre no coração de quem, como Elton Brum da Silva, ressuscita em cada ocupação de terra usurpada pelo poder do latifúndio atestando ser ela mãe, fonte de vida comum, acessível a todas/os as/os suas/seus filhas/os, e não propriedade exclusiva de quem dela abusa, explora e mata como matou o Elton.
* Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

CARTA DA APEDEMA-RS AO CONAMA E MMA, PEDINDO AMPLIAÇÃO DA CONSULTA PÚBLICA REFERENTE AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Porto Alegre, 11 de fevereiro de 2016
Excelentíssima Senhora
Izabella Mônica Vieira Teixeira
Ministra do Meio Ambiente
Presidente do CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente
Brasília - DF

Prezada Senhora Ministra:
            A Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (APEDeMa-RS), com base nos princípios constitucionais e internacionais do direito ambiental e administrativo, vem requerer à Direção do CONAMA e ao Ministério de Meio Ambiente o que segue.
            Solicitamos que seja disponibilizado um prazo razoável (90 dias) para a consulta pública relativa à atualização das Resoluções CONAMA Nº 01, de 23 de janeiro de 1986, que “dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a Avaliação de Impacto Ambiental”, e Nº 237, de 19 de dezembro de 1997, que “dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o Licenciamento Ambiental” (Processo nº 02000.001845/2015-32, do MMA), por iniciativa da ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente). 
            Consideramos profundamente exíguo o prazo disponibilizado para a consulta (de 04 a 14 de fevereiro), configurando menos do que cinco dias úteis, entremeados ao período do Carnaval, inviável para uma participação orgânica, tanto de nossas entidades como de vários setores da população, que poderiam e deveriam participar e contribuir para o aperfeiçoamento do tema.
            A questão do licenciamento é por demais importante e complexa, necessitando levar em conta, neste período de três décadas, um balanço das conquistas expressas nas duas resoluções bem como uma profunda análise das causas das falhas e desvirtuamentos - que não são poucos - relativas à implementação do processo, nos diferentes âmbitos.
            Para exemplificarmos, na década passada, o Rio Grande do Sul foi testemunha de um caso dos mais graves relacionados a irregularidades conhecidas nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA). Foi o caso dos estudos para o licenciamento da UHE Barra Grande, no qual a própria justiça reconheceu que foram omitidas informações, causando a maior perda de remanescentes da Floresta com Araucária conhecida até então (seis mil hectares de florestas), justamente na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Passados mais de 10 anos das irregularidades constatadas, a principal empresa envolvida nunca pagou a multa imputada pelo IBAMA (10 milhões de Reais) e a maioria dos itens do Termo de Compromisso, assinado entre os órgãos federais, justiça e o consórcio responsável pelo empreendimento, nunca foi cumprido. 
            Passado esse período, desde a primeira resolução, o nível de perda de biodiversidade aumentou imensamente em todos os biomas brasileiros, constatando-se ausência de monitoramentos, zoneamentos e programas integrados que fizessem frente a essa perda, visando resguardar ecossistemas remanescentes em cada região do Brasil. Da mesma forma, é crescente a vulnerabilidade de populações tradicionais e demais populações associadas mais intimamente à biodiversidade, bem como se aprofunda o comprometimento das condições ambientais no campo e nas cidades. Por outro lado, a criação e a efetivação de novas Unidades de Conservação praticamente estancaram nos últimos anos, principalmente fora da Amazônia, e tampouco os órgãos ambientais - em sua maioria desestruturados - realizaram esforços no sentido de efetivação de politicas públicas de proteção e promoção das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (Portaria MMA, n. 9, de 23 de janeiro de 2007).
            Consideramos insuficientes, ademais, as justificativas de maior “eficiência” apresentadas para a atualização das referidas resoluções, supostamente para adequação à Lei Complementar nº 140/2011, pois acreditamos as políticas públicas devam envolver elementos muito mais além do “licenciamento e fiscalização ambiental”, como aparece na chamada da consulta pública.
            Percebemos, na justificativa da proposta, a ausência da palavra gestão ambiental, inclusive, contraditoriamente, não constam na mesma os itens a fiscalização e o monitoramento, que carecem de implementação a contento no País, sendo estes elementos essenciais das fases após o deferimento de licenças. Qualquer proposta de avanço no processo de licenciamento ambiental deve resgatar o caráter técnico, com visão do todo e embasamentos consistentes, que levem em consideração os zoneamentos – em geral inexistentes - e a avaliação da capacidade de suporte de atividades, com base em bacias e ecorregiões. A necessária aferição da condição de sinergia de impactos de atividades e empreendimentos tampouco aparece na presente proposta, correndo-se o risco de se manter a análise caso a caso, o que pode seguir retroalimentando o descompasso e a separação crônica entre as politicas de desenvolvimento econômico e as políticas de meio ambiente, em um país com vocação à promoção de sua megabiodiversidade associada à qualidade de vida de nossa população.
            Acreditamos fundamental que superemos a visão limitada, reducionista e predominantemente cartorial no processo de licenciamento no Brasil. Apelamos, portanto, para que se trate de forma mais holística e com tempo hábil para o necessário e devido aprofundamento técnico e democrático de tema de tal envergadura, envolvendo também os aspectos científicos, os planejamentos regionais, os zoneamentos, as avaliações ambientais estratégicas e integradas, as populações direta ou indiretamente atingidas – todos estes itens ainda não implementados – o que fragiliza o bom processo de licenciamento.
            Levando-se em conta os argumentos acima expressos, reiteramos, portanto, que a Presidência do CONAMA e o Ministério de Meio Ambiente ampliem este exíguo prazo para a consulta pública e permitam uma discussão maior deste tema tão vital e estratégico para o Brasil.
            Nestes termos, solicitamos deferimento.

Cordialmente,

Paulo Brack
p/Coordenação da APEDeMa-RS
Ingá - Mira Serra - Upan
apedemars@gmail.com

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Debate "O Futuro do Bioma Pampa (17-12-2015)", disponível em vídeo

Para comemorar o Dia do Bioma Pampa (17/12/15), o Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDeMA), juntamente com as entidades Agapan, Ingá e Núcleo de Ecojornalistas (NEJ) e o Grupo Viveiros Comunitários (GVC), da Biologia da UFRGS, promoveram um debate na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como é tradição todos os anos, no sentido de se avaliar a situação do bioma e as políticas públicas.
O Dia do Bioma Pampa homenageia o nascimento do ambientalista José Antônio Lutzenberger, Prêmio Nobel Alternativo. O Bioma Pampa somente foi reconhecido oficialmente a partir de 2004 e teve seu dia criado em 2007.

Além de ser um patrimônio natural, o Pampa é um legado cultural do povo gaúcho e latino-americano, ocorrendo ainda na Argentina e no Uruguai, estando seriamente ameaçado pelas monoculturas (soja e eucalipto) e por outras atividades do agronegócio que implicam na destruição de seu habitat natural, concentração de terras e maior êxodo rural. Cerca de 2/3 de sua superfície já foi comprometida pela conversão do solo em áreas fortemente artificializadas.

Entre os biomas brasileiros, o Pampa é exclusivo da metade sul do Rio Grande do Sul, ocupando uma área de 178.243 km2, correspondendo a 2,07% do território nacional e a 63% do território gaúcho. É o que apresenta a menor extensão no que se refere a unidades de conservação (UC). A pecuária familiar, o turismo histórico-cultural, rural e ecológico em âmbito familiar, a fruticultura com espécies nativas são atividades que são apontadas como mais sustentáveis e que deveriam ser apoiadas pelo poder público, para manter as pessoas no campo. O RS, que tem um bioma próprio para pecuária, vem perdendo terreno para a pecuária realizada na Amazônia, onde políticas públicas e bancos de financiamento estimulam a conversão das florestas em pastagens. No RS, em áreas de campos naturais, plantam-se monoculturas de árvores, eucalipto e pinus.

O objetivo do evento foi aprofundar temas como o Patrimônio ambiental e cultural do Pampa, bem como atualizar as informações sobre a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), promovendo a retomada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC do Bioma Pampa - 05/2009), que propõe tornar o Bioma Pampa como Patrimônio Nacional reconhecido pela Constituição Federal, à semelhança de demanda referente aos biomas Caatinga e Cerrado, também ainda não inclusos, situação diferente dos biomas Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e a Zona Costeira, já considerados nesta categoria na Constituição de 1988.


sábado, 23 de janeiro de 2016

MANIFESTO EM DEFESA DAS ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA A BIODIVERSIDADE

Segue documento encaminhado o Governo Federal e ao MMA

No dia 23 de janeiro de 2007, há nove anos, foi publicada a Portaria No 9/2007 do Ministério de Meio Ambiente[1], que define o  Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira ou Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (APBio).

A referida Portaria corresponde a políticas públicas amparadas pelo Art. 225 da Constituição Federal, e por leis infraconstitucionais e acordos internacionais (Convenção da Diversidade Biológica) que salvaguardam o direito ao meio ambiente, garantindo a proteção da flora e fauna contra processos que coloquem em risco a função ecológica dos ecossistemas e impliquem em ameaça de extinção à flora e à fauna. O Mapa das APBio definiu categorias como Áreas de Extrema, Muito Alta e Alta Importância, indicando a conservação e o uso compatível com a manutenção de núcleos de alta relevância ecológica em cada bioma do País.


Para efeito desta Portaria, cabe aqui ressaltar parte de seu conteúdo (Art. 1), no sentido da “formulação e implementação de políticas públicas, programas, projetos e atividades sob a responsabilidade do Governo Federal voltados à: I - conservação in situ da biodiversidade; II - utilização sustentável de componentes da biodiversidade; III - repartição de benefícios derivados do acesso a recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado; IV - pesquisa e inventários sobre a biodiversidade; V - recuperação de áreas degradadas e de espécies sobre-exploradas ou ameaçadas de extinção; e VI - valorização econômica da biodiversidade”.

Entretanto, até hoje, verifica-se que tanto o Ministério de Meio Ambiente como as demais pastas, em especial aquelas ligadas aos principais programas governamentais de desenvolvimento econômico, não demonstraram preocupação em suas políticas no que se refere à presença destas áreas e a possibilidade muito provável de extinção em massa regional de espécies de nossa flora e fauna, quando de efeitos sinérgicos negativos decorrentes de várias atividades que impliquem impactos ambientais conjuntos e concentrados em determinada região.

Para ilustrar situações que consideramos profundamente inaceitáveis à sociobiodiversidade brasileira, destaca-se o fato de que pelo menos 62% dos empreendimentos hidrelétricos estão sendo construídos e planejados em APBio, 25% do total atingindo justamente a categoria de Extrema Importância, com a expansão indiscriminada de empreendimentos para a Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica, trazendo outros impactos secundários relativos ao desmatamento incrementado por implantação de infraestruturas muitas vezes incompatíveis com a manutenção da biodiversidade nestas áreas.

Outra questão recente que representou retrocesso e maior risco à biodiversidade foi aquela decorrente da mudança da Lei 4771/1964 (chamado Código Florestal) pela Lei 12.651/2012, contestada por cientistas (SBPC e ABC) e ambientalistas, alvo de quatro ações diretas de inconstitucionalidade.

Os reflexos das políticas desconexas ocorrem no campo, especialmente no que se refere à expansão sem limites de atividades de cunho exportador (commodities), no caso das monoculturas agrícolas industriais ou da megamineração, sobre remanescentes de nossos biomas megadiversos, ou nas cidades, por um modelo de expansão urbana e industrial, nem sempre sustentável, que compromete também a água e as funções ecossistêmicas fundamentais as populações que delas dependem.

Cabe destacar que os biomas Caatinga, Cerrado e Pampa - que sofrem conversão exponencial para monoculturas agrícolas - possuem Propostas de Emenda Constitucional (PEC), desde a década de 1990, para tornarem-se Patrimônio Nacional, infelizmente até hoje sem sucesso, pela falta de empenho dos poderes Legislativo e Executivo.  

Atualmente, a hegemonia de um ambiente de negócios, quase nada sustentável, traz novas ameaças de vulto, por meio de iniciativas de projetos de leis que representam maiores retrocessos. Estas iniciativas tentam subjugar e tornar ainda mais ineficazes as políticas ambientais e seus instrumentos essenciais para a proteção e a promoção da biodiversidade brasileira, com reflexos dramáticos em relação à qualidade de vida da população.

Neste sentido, vimos apelar ao Ministério de Meio Ambiente, ao Governo Federal e aos demais governos, de âmbitos estadual e municipal, para:

- A implementação de medidas concretas para a efetividade do Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (APBio), integrando a participação da comunidade científica, entidades ambientais, povos indígenas, comunidades tradicionais e demais setores da sociedade envolvidos com o tema;

- A reavaliação rigorosa da viabilidade de projetos ou atividades que representem grandes e irreversíveis impactos ambientais sobre a sociobiodiversidade e à capacidade de suporte dos diferentes ecossistemas, no que toca as áreas de Extrema, Muito Alta e Alta Importância, no Mapa das APBio;

- A integração entre as políticas de desenvolvimento e as de conservação e uso sustentável da biodiversidade brasileira, de forma multidimensional, junto com as populações locais;

- O empenho na aprovação das Propostas de Emenda Constitucional (PEC) que reconhecem como Patrimônio Nacional, pela Constituição Federal, os biomas Caatinga, Cerrado e Pampa;

- O cumprimento da promessa de empenho do Governo Federal, junto ao Congresso Nacional, para a ratificação do Protocolo de Nagoya sobre acesso aos recursos genéticos e repartição justa e equitativa de benefícios (ABS), possibilitando que o Brasil participe ativamente da segunda rodada de negociações no âmbito desse protocolo, em dezembro de 2016, no México.
Em 23 de janeiro de 2016

Assinam

- Assembleia Permanente de Entidades de Meio Ambiente (APEDEMA –RS)
- Associação Amigos de Iracambi (MG)
- Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO)

- Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária (AMAR, PR)

- Associação de Mulheres Vitória-Régia (RS)

- Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN, RS)
- Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA, MG)
- Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte (APROMAC, PR)

- AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia (RJ)

- Associação SOS Amazônia (AC)

- CEAC-CONSEMA - Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo

- Centro de Orientação Ambiental Integrada (COATI, SP)

- Conselho de Entidades Socioambientais da Bahia (COESA, BA)

- Comitê Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CNRBMA) (BR)

- CEAC-CONSEMA - Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo

- Grupo de Defesa e Promoção SocioambientalGERMEN (BA)

- Grupo Interdisciplinar de Estudos Ambientais –MARICÁ (RS)

- Grupo Viveiros Comunitários da UFRGS – GVC (RS)

- Instituto Curicaca (RS)
- Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá (RS)
- Instituto Hou para a Cidadania (MG)
- Instituto Mira Serra (RS)
- Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza (RS)
- IGRÉ - Associação Sócio Ambientalista (RS)
- Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais (PR)
- Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente – Mogdema (RS)
- Nucleo de Ecojornalistas do RS (NEJ, RS)
- ONG - Sócios da Natureza (SC)
- PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (SP)
- Rede de ONGs da Mata Atlântica – RMA (BR)
- Rede Campos Sulinos (RS)
- SESBRA - Sociedade Ecológica de Santa Branca (SP)
- Sodemap-Sociedade para a Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba (SP)

- SOS Amazônia (AC)

- Terra de Direitos (PR)
- TOXISPHERA - Associação de Saúde Ambiental (PR)

- União Protetora do Ambiente Natural (UPAN, RS)

Pelo setor acadêmico, subscrevem também o presente documento:

- Professor Dr. Andreas Kindel – Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências,  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (andreaskindel@gmail.com)

- Professor Dr. Antônio Andrioli  - Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Federal da Fronteira Sul (andrioli@uffs.edu.br)

- Professora Dra. Elisabete Zago Burigo – Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (00009949@ufrgs.br)

- Professora Dra. Eunice Kindel - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (eunicekindel@gmail.com)

- Dr. Eduardo Velez – Centro de Ecologia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (velezedu@portoweb.com.br)

- Prof. Fernando Gertum Becker - Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (fgbecker@ufrgs.br)
- Prof. Dr. João André Jarenkow - Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (jarenkow@portoweb.com.br)

- Professor Dr. João Renato Stehmann – Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais (stehmann@ufmg.br)

- Prof. Dr. Jorge de Araújo Mariath - Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (jorge.mariath@ufrgs.br)

- Professor Dr. Jorge A. Quillfeldt, Departamento de Biofísica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (quillfe@ufrgs.br)
- Professora Dra. Laura Verrastro Vinas, Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (lauraver@ufrgs.br)
- Professora Raquel Maria Rigotto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará (raquelrigotto@gmail.com) .
- Prof. Dr. Luiz Roberto Malabarba - Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (malabarb@ufrgs.br) 
- Professora Dra. Mara Rejane Ritter - Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (mara.ritter@ufrg.br)
- Professora Dra. Maria Luísa Lorscheitter -Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (mlorsch@uol.com.br)

- Professora Dra. Maria Cecília de Chiara Moço - - Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (mcecilia.moco@ufrgs.br)

- Mestrando Matias Köhller – Programa de Pós-Graduação em Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (matias.k@bol.com.br)

- Professor Paulo Brack - Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (paulo.brack@ufrgs.br)

- Prof. Dr. Paulo Kageyama -. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz -  ESALQ, Universidade de São Paulo (pkageyama@usp.br)

- Professor Dr. Rubens Onofre Nodari, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina (rubens.nodari@ufsc)

- Professora Dra. Sandra Maria Hartz  – Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (sandra.hartz@ufrgs.br)
 
- Professor Dr. Ubiratã Soares Jacobi/Pesquisador Ecologia de Florestas, Universidade Federal de Rio Grande (usjacobi@furg.br)

- Professor Dr. Valério Pillar - Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (vpillar@ufrgs.br)