Breve conjuntura da pauta ambiental à beira do abismo
Na semana passada, a bancada do agronegócio e parlamentares associados no Congresso, ultrapassando mais de 50% da Câmara, desencadearam um forte e inédito ataque contra os Territórios dos Povos Indígenas, a Lei da Mata Atlântica e a nova estrutura do Ministério do Meio Ambiente. Houve uma articulação das forças do obscurantismo e do vale-tudo para aprovar na Câmara de Deputados um PL que estabelece o Marco Temporal sobre os Territórios Indígenas, encaminhando o tema ao Senado.
O governo não teve articulação ou maior interesse em barrar também esta e outras sabotagens importantes do “centrão” e da direita que, por exemplo, retirava itens essenciais da Lei da Mata Atlântica, tendo a Câmara aprovada artigos que suprimem a necessidade de estudos de impacto ambiental, compensações e obras de infraestrutura consideradas “estratégicas”e abre espaço para maior anistia aos desmatadores.
Quanto à aprovação da MP do governo federal, que restabelecia vários ministérios, houve flagrante ingerência destrutiva da Câmara na forma de reestruturação prevista e já em andamento para algumas pastas do governo. Os ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas foram esvaziados, a partir da iniciativa de parlamentares associados ao presidente da Câmara, Artur Lira. Atuaram para acuar o governo. Não conseguiram de todo, mas o essencial na área ambiental e indígena sim. A pasta do MMA, por exemplo, perdeu o controle da Agência Nacional de Águas (ANA), historicamente com trajetória inicial e predominante na pasta, bem como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do sistema de gestão e informação.
Os políticos brasileiros, em sua maioria de direita, sequer estão preocupados com o cenário dramático climático e da sociobiodiversidade mundial e o papel potencial que o Brasil tem a desempenhar na liderança de se contrapor à tendência de degradação ambiental do planeta.
E se isso não bastasse a partir dos ataques da Câmara, sob a liderança de Artur Lira e ruralistas, há duas semanas, houve outra crise na área ambiental, contra o Ibama, incluindo críticas de políticos do norte, tanto da direita como da esquerda. O órgão ambiental emitiu decisão técnica contrária ao deferimento de solicitação de parte da Petrobrás para perfurações na plataforma marítima na foz do rio Amazonas para pesquisas e utilização de petróleo. O órgão considerou que a zona é sensível e o projeto não respondia a vários quesitos importantes que, no caso de uma permissão à atividade, deveriam garantir risco quase nulo aos ambientes marinhos diversos e vulneráveis. A ministra Marina foi pressionada por políticos críticos à decisão do Ibama. A agenda político-partidária é acostumada a desconsiderar a importância de valorização das carreiras técnicas de estado e, em especial, a do Ibama, agora alvo de ataques de políticos de vários matizes. Chamou a atenção que, inclusive, o senador Randolfe Rodrigues, político de trajetória na esquerda, assumiu parte da liderança de ataque injusto ao órgão, Provavelmente tanto o senador como os políticos do Norte não leram o documento da área técnica que emitiu tal parecer brilhante e completo.
O necessário resgate da Gestão Ambiental Pública e o freio aos Projetos anti-ambientais
Todas iniciativas de enfraquecimento dos ministérios da área de meio ambiente e dos povos indígenas, além do Ibama, deveriam ser combatidas de forma veemente por parte do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quiçá, possamos antever alguma esperança, a partir de declarações dadas, ainda na tarde deste dia 5 de junho, quando Lula, Marina e Sônia Gujajara apresentaram propostas que visam avanços nas políticas socioambientais do país.
De qualquer maneira, consideramos profundamente insuficiente a forma historicamente espasmódica de anúncios, concentradas em datas comemorativas, em ações que correm sério risco de permanecer desconectadas de um plano ambiental mais sólido, construído a mais médio e longo prazos, com diferentes setores envolvidos na temática, entre eles movimentos socioambientais, associações de técnicos de órgãos ambientais e a academia.
Fundamentalmente, acreditamos que deva ser resgatada uma gestão qualificada da área socioambiental, trazendo as ações centrais e a participação intensa do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), reestruturando-se o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). É importante lembrar que tanto o Ibama como o ICMBio têm desfalques em mais de 50% de seu corpo técnico, nos últimos 10 anos. Cabe destacar que estes órgãos ou sofreram esvaziamento ou loteamentos políticos nos últimos seis anos, até dezembro de 2022.
Para uma gestão qualificada, é mister que o governo não permita a nomeação de vagas para cargos técnicos do Ministério de Meio Ambiente, Ibama e ICMbio para gestores sem perfil técnico e com indicação meramente política, como ocorreu no governo Bolsonaro, com indicações apadrinhados políticos e militares para cargos de superintendências e chefias. Entretanto, acende a luz amarela, pois recentemente foi noticiada a nomeação de uma superintendente do Ibama para o Estado do Paraná, sem qualquer perfil técnico, o que denota atender interesses meramente partidários. Tal prática preocupa sobremaneira as equipes de técnicos do Ministério também setores importantes da sociedade engajada nas causas ambientais. Consideramos injustificável que possam ocorrer outras situações semelhantes, não republicanas, na nomeação de superintendências do Brasil, pois estes cargos requerem experiência e formação técnica de excelência. É preciso que nosso país avance para longe de seu histórico imperial, e valorize o perfil técnico, do quadro, e sem ingerências político-partidárias.
A fiscalização deve ser incrementada e a cobrança de multas ambientais quase desapareceu nos últimos 4 anos. Hoje as multas federais pagas não ultrapassam 1% ou 3% do total de autuações. Os valores devidos já ultrapassaram, há alguns anos, o valor de 15 bilhões de reais. Infelizmente o governo Bolsonaro esfacelou a cobrança de multas. E, como agravante, faltam técnicos e políticas duradouras e integração entre os órgãos. O cumprimento da Lei 12.651/2012, no que restou de bom dela, principalmente as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), além de um Cadastro Ambiental Rural eficiente e outros mecanismos como os Programas de Recuperação Ambiental.
Da mesma maneira, voltando-se ao caso do licenciamento das perfurações de petróleo na foz do rio Amazonas, por parte do Ibama, há que se reconhecer, de uma vez por todas, que as decisões técnicas têm que ser tratadas tecnicamente e não ser submetidas a jogos de pressão de interesses desse ou daquele setor econômico ou político. Análises como essa, na foz do Amazonas, demandam estudos profundos e complexos, com dados, ponderações, prognósticos, levando-se em conta, principalmente, que petróleo é um combustível fóssil, altamente poluidor e, mesmo se tratando de gás, estamos em um planeta saturado de gases de efeito estufa, cada vez mais poluído, degradado, à beira de um colapso climático-ambiental iminente, e com perdas nunca vistas em Biodiversidade e Qualidade de Vida Humana.
Na gestão da qualidade da saúde da população, são necessários esforços de monitorar, fundamentalmente, a água, o ar e o meio ambiente em todos âmbitos, com dados atualizados e disponibilizados, lembrando-se a necessidade da retomada do programa PARA (Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos), a ser pela ANVISA, além da ampliação de análises em vegetais e também na água, pelo Sistema de Vigilância em Saúde, no que toca à água que ocorre em cada rio do Brasil e que abastece as cidades.
No que se refere aos Projetos de Lei Bomba, que estão vindo aos borbotões, seguem muitos já aprovados na Câmara e esperando votação no Senado, um deles o PL do Marco Temporal, o PL da grilagem de Terras (que entrega terras públicas a médios e grandes posseiros e desmatadores), o PL do veneno (que libera agrotóxicos), entre outros. Por outro lado, o PL que visa a redução do uso de agrotóxicos (Institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos - PNARA, PL 6670/2016) está parado há anos na Câmara…
Por uma outra economia da sociobiodiversidade, verdadeiramente sustentável do ponto de vista ecológico e humano.
O Brasil tem histórico não recomendável em depender economicamente e/ou financiar setores, mesmo que nacionais, de grande concentração econômica e historicamente manchados por multas e impactos ambientais de grande monta. A Petrobras, da qual nos orgulhamos pelo seu passado sob o domínio do Estado e vários programas sociais e ambientais, foi sendo alvo crescente de privatização e precarização em suas atividades de controle interno de atividades que impactam o meio ambiente. A empresa Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, já foi uma estatal que possuía controles maiores de parte da sociedade e dos órgãos de meio ambiente, porém após sua privatização, há mais de 20 anos, também sofreu flexibilização de normas, a fim de atender a busca imediatista pelo lucro, a despeito da perda de direitos socioambientais inclusive de seus funcionários ou equipes terceirizadas. Esta perda se deu em mais de duas centenas e meia de mortes, pelos casos de negligência criminosa que resultaram no rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho. Poderíamos nos perguntar: qual o saldo de riqueza para o Brasil a partir da mineração e da exportação de recursos naturais, se o minério de ferro sai direto das minas, com rastro de degradação próximo, e entra em minerodutos para chegar a portos litorâneos e ser posteriormente exportado, gerando bens em outros países?
Lembremos da maior parte das obras dos programas "Avança Brasil” (final da década de 1990) e PAC (a partir de 2007 até maio de 2016), onde a economia estava associada a recursos do BNDES e fundos de pensão, investindo em megaobras, que incrementavam um círculo vicioso das Megaobras, atendendo prioritariamente interesses de empreiteiras depredadoras, políticos descompromissados com proteção ambiental, com enorme passivo e inclusive ameaças o modo de vida comunidades locais e tradicionais.
Da mesma forma que o item anterior, nas últimas décadas os governos vêm engordando os recursos para a agricultura industrial ou convencional, com uma hegemonia inquebrantável do agronegócio das monoculturas depredadoras e invistam na agricultura ecológica, orgânica, campesina, familiar e tradicional, nestes setores que produzem alimento. Em 2022, foram 340 bilhões de reais de subsídio público para pagamento de juros, sendo 90% para a agricultura convencional que, sequer, está em dia, há mais de 10 anos, com o Cadastro Ambiental Rural, além de se utilizar massivamente de agrotóxicos, praticamente sem pagar impostos por isso, apesar da venda de cerca de 13 bilhões de dólares/ano destes produtos no Brasil.
Não é justo que o Brasil siga dependendo da exportação de Soja (em plantios que já ultrapassam 43,5 milhões de hectares) e da importação de Feijão (que não supera, no país, 2,75 milhões de hectares). Por que não voltarmos a incentivar a produção de alimentos e trazermos novamente a mandioca como planta símbolo de nossa segurança e soberania alimentar, sem os preconceitos já usados por parte de setores atrasados contra tentativa anterior de valoração desta cultura?
Necessitamos, isso sim, de policulturas, da valorização de nossas milhares de plantas alimentícias nativas e rústicas, resgatando também as culturas alimentares de cada região do Brasil. As agroflorestas estão dando certo, na esteira da Agroecologia e os hortifrutigranjeiros orgânicos já previstos no Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, engavetado desde meados de 2016.
No caso do surgimento de desequilíbrios decorrentes de superpopulações de insetos ou outros organismos eventualmente prejudiciais, é importante o incentivo do controle biológico. O modelo hegemônico de agricultura, regada a biocidas e destruição de ecossistema naturais, acaba com a água, contamina os seres humanos e a biota, e é um tiro no pé da própria economia. A diversidade é fundamental para o equilíbrio ecológico, e a perda da diversidade socioambiental não tem preço.
A rápida e descontrolada conversão de nossos ecossistemas naturais em monoculturas agrícolas já põe em risco que os produtos brasileiros exportados, principalmente para a Europa, sofram boicote, começando pela destruição da Floresta Amazônica, podendo se estender ao Cerrado, Pampa, Mata Atlântica e assim por diante. O ataque aos direitos socioambientais no Brasil está sendo visto lá fora (Marco Temporal, Lei dos Agrotóxicos, aumento de supressão de vegetação original em biomas com perdas excessivas, etc.).
No tema das áreas naturais ou protegidas, é necessário que se restabeleça uma política mais visível e aperfeiçoada no que se refere às políticas públicas ligadas às Áreas Prioritárias para a Sociobiodiversidade, com integração entre ministérios, criando-se preferencialmente atividades econômicas compatíveis, como o caso do turismo ecológico e rural, rarefeito, bem orientado, com priorização de resgate de produtos locais, como hoje já existe com os Frutos e Sorvetes do Cerrado e o turismo em meio à natureza nas Chapadas dos Veadeiros e Diamantina, ou o uso de produtos e subprodutos das palmeiras do gênero Butia (butiás) no Pampa.
No que toca à indústria, que exista incentivo para mudar a matriz produtiva, que reduza o uso de combustíveis fósseis, que tire o peso da exportação espoliadora de commodities que não paga impostos, concentra renda e destrói a sociobiodiversidade. Que exista reconversão da matriz produtiva, combate à obsolescência planejada, com forte ênfase no reaproveitamento e reciclagem de equipamentos, peças e materiais. A Lei dos Resíduos Sólidos teve engessamento desde seu surgimento em 2010, mas deve seguir a partir de grupos de trabalho e agendas locais, regionais e nacionais.
No que toca à energia, de equipamentos nacionais para fontes de energia desconcentrada e descentralizada como a energia solar (tetos de construções, e nunca em parques solares concentrados em áreas naturais ou rurais produtivas), eólica (longe dos megaparques eólicos sobre territórios da socioagrobiodiversidade) e de bioenergia (biodigestores com resíduos vegetais e esterco animal, lenha e óleos vegetais de plantas nativas).
No tema da bioenergia, falta uma cadeia de aproveitamento de resíduos secos e vegetais para biodigestores e compostagem. Que exista apoio ao reaproveitamento de óleo de cozinha, à extração de óleos vegetais de babaçu, macaúba, carnaúba, indaiá e das dezenas de palmeiras brasileiras com gigantesco potencial à indústria familiar cooperativa, onde se produz óleo alimentar e de uso como sabonetes, cosméticos, etc, sempre com o protagonismo das comunidades que necessitam de tecnologias sociais e apoio financeiro às comunidades.
Necessitamos de um Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental (BNDES-A) que elimine financiamentos “tóxicos” retirando ênfase à grande indústria concentradora, em todas as áreas, citando-se, essencialmente a indústria de celulose (90% vai para exportar celulose e não papel ou papelão), do cimento, da carne, em especial de áreas desmatadas ou de animais confinados convencionalmente, dos alimentos ultraprocessados, do uso do carvão mineral e a toda a mineração que destrói, exporta nossos bens e esgota nossas riquezas.
Para atingir muitos destes objetivos, é fundamental incorporar o papel e o engajamento da sociedade, das universidades e das demais instituições de pesquisa públicas e privadas, buscando-se preferencialmente desenvolver as Tecnologias Sociais e a Economia Popular e Solidária. Nenhum tostão para o desenvolvimento de atividades econômicas que mantenham o uso de agrotóxicos e que vem contaminando as populações.
Que se construa, de baixo para cima, um programa de país que atenda a quem mais precisa, pense nas futuras gerações e defenda nossa Ecossoberania baseada na Sociobiodiversidade do país (ainda) mais megadiverso do planeta. Para isso, precisamos de produção de mudas e a retomada, com protagonismo do MST, do plantio de 100 milhões de árvores no Brasil, com base e produção mista: órgãos de fomento e extensão, jardins botânicos, assentamentos, cooperativas de campesinos, guardiões da agrobiodiversidade.
Precisamos de uma outra economia, desconcentrada, sociobiodiversa, onde o capital não seja o centro e sim um meio para quem mais necessita, ou seja, a maioria da população brasileira.
Paulo Brack (5 de junho de 2023)
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