Eduardo
L. Ruppenthal
A
construção de mega-barragens é geradora de muitos conflitos pelos seus enormes
impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos. Isso já foi constatado e
pesquisado por vários cientistas e grupos das universidades brasileiras, mas
também está presente no noticiário cotidiano, principalmente nos últimos
grandes empreendimentos hidroelétricos como Jirau e Santo Antônio, no rio
Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu.
Na
bacia do Rio Uruguai, além de conflitos emblemáticos nas hidrelétricas de Itá e
Machadinho, há um pouco mais de uma década, a construção de Barra Grande, em
2004, foi notória pelo reconhecimento da fraude do EIA-RIMA levado a cabo pela
empresa Engevix. Fatos semelhantes ocorreram nas barragens de Foz do Chapecó e
Campos Novos, que foram palcos de guerra do Setor Elétrico (empresas e
governos) contra as comunidades, principalmente via criminalização da
resistência através da perseguição e prisões arbitrárias de atingidos e suas
lideranças organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Em Campos Novos, hidrelétrica que quase se rompeu
por apresentar rachaduras, a situação atingiu notoriedade nacional e
internacional, com denúncias de violação dos direitos humanos dos atingidos
encaminhadas a órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas
(ONU). A repercussão internacional gerou resultado, fazendo com que ocorresse
uma visita de uma representante da ONU, Hina Jilan, que por dois dias, 16 e 17
de dezembro de 2005, acompanhou de perto a situação dos atingidos acampados
próximos do local da construção da barragem. Constatou a violação de direitos
por parte das empresas, o não reconhecimento dos atingidos, onde inúmeras
famílias haviam perdido suas terras, sua cultura e sua vida com a construção da
obra e ainda sofriam com a prática da violência e uso de força policial.
Em novembro de 2010, o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aprovou o relatório da Comissão Especial que
analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no
processo de implantação de barragens no Brasil. As denúncias dos casos
acolhidos pela Comissão foram das UHE Canabrava (GO), UHE Tucuruí (PA), UHE
Aimorés (MG e ES), UHE Foz do Chapecó (RS e SC), PCH Fumaça (ES e MG), PCH
Emboque (MG) e Barragem de Acauã (PB).
A
comissão identificou um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente
violados, dentre os quais merecem destaque o direito à informação e à
participação; o direito à liberdade de reunião, associação e expressão; o
direito de ir e vir; o direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito
à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito
à plena reparação das perdas[1].
Garabi e Panambi: a história se repete
As notícias relacionadas à construção de duas
novas megabarragens, Garabi e Panambi, previstas
para o já “fragilizado e castigado” rio Uruguai e a
falta de informação pública fez com que no final de janeiro e início de
fevereiro de 2014 um grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
visitasse a região Noroeste do estado, especificamente os municípios de Alecrim
e Porto Mauá, dois dos 19 municípios que poderiam ser atingidos. Durante quatro
dias, o grupo visitou comunidades e áreas próximas ao rio Uruguai, participou
de reuniões, de entrevistas a rádio local e, principalmente, recebeu muitos
pedidos de informações acerca dos impactos desses dois barramentos.
O que se percebeu foi uma enorme situação de
insegurança e incerteza das famílias e das comunidades devido à falta de
informações, situação que se repete de forma deliberada por parte dos
responsáveis pelos projetos já que quando há alguma informação esta é dada de
forma incompleta ou desvirtuada, pelos próprios interessados nas obras. Neste
aspecto, entenda-se, o Setor Elétrico, formado por Eletrobrás, Ministério de
Minas e Energia, governos federal e estadual e empresas contratadas para
efetivarem os estudos iniciais, entre as quais destaca-se a Engevix, a mesma
empresa que fraudou o EIA-RIMA de Barra Grande. Essa informação “oficial”
possui alguns elementos: incerta, quando se refere aos questionamentos sobre os
reais impactos, empregando-se os mais variados subterfúgios; e tendenciosa,
pró-empreendimento usando-se do “fato consumado”, sem sequer ponderar a sua
viabilidade, pois não possui nenhum estudo ambiental e por conseqüência nenhum
licenciamento, atropelando a situação por meio do repasse de dados não
condizentes com a realidade, principalmente ocultando a história de conflitos
socioambientais na construção de outras barragens na região. E para isso alguns
lobbies formados por políticos interessados nos dividendos econômico-eleitorais
auxiliam o círculo vicioso da desinformação.
O conflito já está instalado na região. Em agosto
de 2013, após dois dias de mobilização, os atingidos conseguiram paralisar os
trabalhos e estudos sobre as obras realizados por empresas que invadiram os
terrenos de pequenos agricultores sem autorização e conhecimento dos
proprietários. Além da retirada das máquinas de sondagem, outro compromisso
cobrado dos responsáveis foi a necessidade de apresentar as informações, até
então sonegadas, e a garantia de audiências locais, a fim de que saibam da
opinião da população ameaçada pelos empreendimentos. Nas reuniões que
ocorreram, uma delas na distante cidade de Santa Rosa, e não em Porto Mauá que
seria atingida em 75% de seu perímetro urbano, prevaleceram as “informações” da
Eletrobrás, como de praxe tendenciosas, vazias e desencontradas, quanto aos
principais questionamentos socioambientais.
O MAB, por meio de uma reunião realizada com o
governo do estado, conseguiu o compromisso verbal de, junto com a Eletrobrás e
o próprio governo, planejar e organizar as reuniões nas comunidades e nos
municípios. Mas, como era de se esperar, infelizmente, esse acordo não foi
cumprido e o Setor Elétrico e governos estão realizando essas reuniões, que são
muito mais propagandas enganosas, nos municípios sem a participação do MAB.
Assim como na década de 1980, quando a resistência
da região não permitiu a realização do Complexo Garabi, várias pessoas e
setores da sociedade estão mobilizados e fazendo o contraponto, principalmente
informacional, entre os quais se destacam o MAB, a colônia de pescadores, a
rádio Navegantes AM, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a
pastoral social e a Igreja Católica da Diocese de Santo Ângelo, entre outros
grupos organizados.
Após quatro anos do lançamento do relatório e
com os novos conflitos gerados na construção de hidrelétricas no país, com
destaque negativo para as desastrosas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e
Santo Antônio, agora na região Noroeste do estado, verifica-se que a situação
não evoluiu, e até retrocedeu, pelo não cumprimento por parte do
Setor Elétrico das recomendações feitas nos relatórios oficiais nacionais e
internacionais. Um setor que, atrelado a gigantescas empreiteiras e a políticos
do grupo do Senador Sarney, resgata e recauchuta projetos da década de 1970,
gerando outras tantas violações dos direitos humanos sobre os atingidos, agora
ameaçando também o que resta do rio Uruguai, nos megaempreendimentos de Garabi
e Panambi (75 mil hectares de áreas alagadas), podendo afetar dezenas de
milhares de pessoas.
Por isso, quando dizemos “Não à Garabi e Panambi”,
além de estarmos defendendo o belo e majestoso Rio Uruguai, seus afluentes, com
suas corredeiras, florestas e áreas rurais de altíssima fertilidade, estamos
nesta luta juntos com os habitantes da região, que resistem a esta insanidade.
Para isso, nos aliamos aos agricultores, pescadores, comunidades ribeirinhas,
veranistas de seus balneários, moradores das cidades potencialmente atingidas.
Vamos cobrar a defesa da Constituição Federal que, em seu Art. 225, veda ações
que promovam a extinção de espécies da flora e da fauna, como o caso do
dourado, já ameaçado pelas barragens rio acima, assim como impedir que isso
tudo continue afetando o Salto do Yucumã e o Parque Estadual do Turvo.
Queremos dizer que é possível e necessário Um Outro
Modelo Energético, Público, com e para o povo, e assim estamos defendendo os
direitos humanos, o direito de resistência e o direito de viver! Garabi e
Panambi não passarão!
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Eduardo
Luís Ruppenthal é professor de Biologia, biólogo e mestre em Desenvolvimento
Rural (PGDR/UFRGS). É também membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio
Ambiente (MoGdema), InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) e Movimento
Rio Uruguai Vivo
A Luta é grande. Vamos dar as mãos e salvar nosso pedacinho de chão.
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