terça-feira, 4 de março de 2014

Barragens e violação de direitos: a história se repete com Garabi e Panambi


Eduardo L. Ruppenthal
A construção de mega-barragens é geradora de muitos conflitos pelos seus enormes impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos. Isso já foi constatado e pesquisado por vários cientistas e grupos das universidades brasileiras, mas também está presente no noticiário cotidiano, principalmente nos últimos grandes empreendimentos hidroelétricos como Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu.
Na bacia do Rio Uruguai, além de conflitos emblemáticos nas hidrelétricas de Itá e Machadinho, há um pouco mais de uma década, a construção de Barra Grande, em 2004, foi notória pelo reconhecimento da fraude do EIA-RIMA levado a cabo pela empresa Engevix. Fatos semelhantes ocorreram nas barragens de Foz do Chapecó e Campos Novos, que foram palcos de guerra do Setor Elétrico (empresas e governos) contra as comunidades, principalmente via criminalização da resistência através da perseguição e prisões arbitrárias de atingidos e suas lideranças organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).




Em Campos Novos, hidrelétrica que quase se rompeu por apresentar rachaduras, a situação atingiu notoriedade nacional e internacional, com denúncias de violação dos direitos humanos dos atingidos encaminhadas a órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU). A repercussão internacional gerou resultado, fazendo com que ocorresse uma visita de uma representante da ONU, Hina Jilan, que por dois dias, 16 e 17 de dezembro de 2005, acompanhou de perto a situação dos atingidos acampados próximos do local da construção da barragem. Constatou a violação de direitos por parte das empresas, o não reconhecimento dos atingidos, onde inúmeras famílias haviam perdido suas terras, sua cultura e sua vida com a construção da obra e ainda sofriam com a prática da violência e uso de força policial. 

Em novembro de 2010, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aprovou o relatório da Comissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no Brasil. As denúncias dos casos acolhidos pela Comissão foram das UHE Canabrava (GO), UHE Tucuruí (PA), UHE Aimorés (MG e ES), UHE Foz do Chapecó (RS e SC), PCH Fumaça (ES e MG), PCH Emboque (MG) e Barragem de Acauã (PB).

A comissão identificou um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais merecem destaque o direito à informação e à participação; o direito à liberdade de reunião, associação e expressão; o direito de ir e vir; o direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito à plena reparação das perdas[1].

Garabi e Panambi: a história se repete
As notícias relacionadas à construção de duas novas megabarragens, Garabi e Panambi, previstas
para o já “fragilizado e castigado” rio Uruguai e a falta de informação pública fez com que no final de janeiro e início de fevereiro de 2014 um grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) visitasse a região Noroeste do estado, especificamente os municípios de Alecrim e Porto Mauá, dois dos 19 municípios que poderiam ser atingidos. Durante quatro dias, o grupo visitou comunidades e áreas próximas ao rio Uruguai, participou de reuniões, de entrevistas a rádio local e, principalmente, recebeu muitos pedidos de informações acerca dos impactos desses dois barramentos. 
O que se percebeu foi uma enorme situação de insegurança e incerteza das famílias e das comunidades devido à falta de informações, situação que se repete de forma deliberada por parte dos responsáveis pelos projetos já que quando há alguma informação esta é dada de forma incompleta ou desvirtuada, pelos próprios interessados nas obras. Neste aspecto, entenda-se, o Setor Elétrico, formado por Eletrobrás, Ministério de Minas e Energia, governos federal e estadual e empresas contratadas para efetivarem os estudos iniciais, entre as quais destaca-se a Engevix, a mesma empresa que fraudou o EIA-RIMA de Barra Grande. Essa informação “oficial” possui alguns elementos: incerta, quando se refere aos questionamentos sobre os reais impactos, empregando-se os mais variados subterfúgios; e tendenciosa, pró-empreendimento usando-se do “fato consumado”, sem sequer ponderar a sua viabilidade, pois não possui nenhum estudo ambiental e por conseqüência nenhum licenciamento, atropelando a situação por meio do repasse de dados não condizentes com a realidade, principalmente ocultando a história de conflitos socioambientais na construção de outras barragens na região. E para isso alguns lobbies formados por políticos interessados nos dividendos econômico-eleitorais auxiliam o círculo vicioso da desinformação.

O conflito já está instalado na região. Em agosto de 2013, após dois dias de mobilização, os atingidos conseguiram paralisar os trabalhos e estudos sobre as obras realizados por empresas que invadiram os terrenos de pequenos agricultores sem autorização e conhecimento dos proprietários. Além da retirada das máquinas de sondagem, outro compromisso cobrado dos responsáveis foi a necessidade de apresentar as informações, até então sonegadas, e a garantia de audiências locais, a fim de que saibam da opinião da população ameaçada pelos empreendimentos. Nas reuniões que ocorreram, uma delas na distante cidade de Santa Rosa, e não em Porto Mauá que seria atingida em 75% de seu perímetro urbano, prevaleceram as “informações” da Eletrobrás, como de praxe tendenciosas, vazias e desencontradas, quanto aos principais questionamentos socioambientais. 
O MAB, por meio de uma reunião realizada com o governo do estado, conseguiu o compromisso verbal de, junto com a Eletrobrás e o próprio governo, planejar e organizar as reuniões nas comunidades e nos municípios. Mas, como era de se esperar, infelizmente, esse acordo não foi cumprido e o Setor Elétrico e governos estão realizando essas reuniões, que são muito mais propagandas enganosas, nos municípios sem a participação do MAB. 

Assim como na década de 1980, quando a resistência da região não permitiu a realização do Complexo Garabi, várias pessoas e setores da sociedade estão mobilizados e fazendo o contraponto, principalmente informacional, entre os quais se destacam o MAB, a colônia de pescadores, a rádio Navegantes AM, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a pastoral social e a Igreja Católica da Diocese de Santo Ângelo, entre outros grupos organizados. 
Após quatro anos do lançamento do relatório e com os novos conflitos gerados na construção de hidrelétricas no país, com destaque negativo para as desastrosas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, agora na região Noroeste do estado, verifica-se que a situação não evoluiu, e até retrocedeu, pelo não cumprimento por parte do Setor Elétrico das recomendações feitas nos relatórios oficiais nacionais e internacionais. Um setor que, atrelado a gigantescas empreiteiras e a políticos do grupo do Senador Sarney, resgata e recauchuta projetos da década de 1970, gerando outras tantas violações dos direitos humanos sobre os atingidos, agora ameaçando também o que resta do rio Uruguai, nos megaempreendimentos de Garabi e Panambi (75 mil hectares de áreas alagadas), podendo afetar dezenas de milhares de pessoas. 

Por isso, quando dizemos “Não à Garabi e Panambi”, além de estarmos defendendo o belo e majestoso Rio Uruguai, seus afluentes, com suas corredeiras, florestas e áreas rurais de altíssima fertilidade, estamos nesta luta juntos com os habitantes da região, que resistem a esta insanidade. Para isso, nos aliamos aos agricultores, pescadores, comunidades ribeirinhas, veranistas de seus balneários, moradores das cidades potencialmente atingidas. Vamos cobrar a defesa da Constituição Federal que, em seu Art. 225, veda ações que promovam a extinção de espécies da flora e da fauna, como o caso do dourado, já ameaçado pelas barragens rio acima, assim como impedir que isso tudo continue afetando o Salto do Yucumã e o Parque Estadual do Turvo. 
Queremos dizer que é possível e necessário Um Outro Modelo Energético, Público, com e para o povo, e assim estamos defendendo os direitos humanos, o direito de resistência e o direito de viver! Garabi e Panambi não passarão!

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Eduardo Luís Ruppenthal é professor de Biologia, biólogo e mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). É também membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGdema), InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) e Movimento Rio Uruguai Vivo




 

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