Paulo
Brack (17 de agosto de 2010) encaminhado
para SMED
O
município de Porto Alegre possui 48 mil hectares (1 ha = 10.000 m2).
Pelo menos uma terça parte do município é composta por áreas predominantemente
rurais e naturais. Grande parte das áreas naturais e rurais se encontra ao
longo de mais de 44 morros, do Delta do Jacuí e na orla sul do município junto
ao lago-rio Guaíba. Trata-se de uma enorme riqueza de vegetação, paisagem natural
e biodiversidade.
A grande
riqueza em biodiversidade de Porto Alegre provém de uma conjugação de fatores
ecológicos, decorrentes do contato entre três regiões geomorfológicas (Planície
Costeira, Depressão Central e Escudo Cristalino Sul-Riograndense), e de uma evolução
geomorfológica de milhões de anos, incluindo a história, praticamente
desconhecida, de grupos humanos que aqui habitaram por milhares de anos.
Parte
desta riqueza está descrita no Atlas Ambiental de Porto Alegre (Menegat et al. 1998) e no Diagnóstico Ambiental
de Porto Alegre (Hasenack et al.
2008), entre outros trabalhos. Em nosso município se encontram os biomas Mata
Atlântica e Pampa. Inclusive temos espécies que provêm da Amazônia e tem
próximo ao paralelo 30º Sul, seu limite meridional no Continente. Este é o caso,
por exemplo, de uma árvore majestosa, a grápia, que atinge mais de 40 metros de
altura, com exemplares encontrados em Ipanema, na orla do Guaíba, ou na base
ocidental do morro Santa Teresa.
Nossos
arroios nascem límpidos na vegetação natural dos morros. A diversidade de tipos
de vegetação é alta: matas de encostas, matas ciliares, matas de restinga,
campos rupestres, campos de várzea, banhados, sarandizais, juncais, butiazais,
entre outros, em morros e planícies, abrigando paisagens únicas e serviços
ambientais fundamentais ao equilíbrio ecológico e à qualidade ambiental da
cidade. A orla do Guaíba ainda mantém uma beleza cênica ímpar e ecossistemas
fundamentais aos peixes e outros organismos que aqui migram para desovar, desde
a Lagoa dos Patos.
No que se
refere à flora, com base em estudos de Balduino Rambo (1954), ocorrem mais de
1.300 espécies. São mais de uma centena de espécies ornamentais, outras
centenas de plantas alimentícias (frutas e hortaliças) e medicinais. O artesanato
para os índios kaigangs, que comercializam material fundamental para sua
sobrevivência, provém de cipós e outros tipos de plantas destas áreas.
Também
existem centenas de espécies de animais silvestres vertebrados, pelo menos três
centenas de espécies de aves, dezenas de mamíferos, alguns raros, com destaque
a alguns que chamam mais a atenção da população e podem ser considerados
indicadores biológicos de qualidade de habitats, como o bugio-ruivo, o mão-pelada,
o gato-do-mato, o ouriço-caixeiro, a lontra, entre outros. Parte da fauna e da
flora é composta por espécies ameaçadas. Entretanto, praticamente, inexistem programas
ou planejamento da conservação da biodiversidade em Porto Alegre.
A zona
rural de Porto Alegre também tem papel fundamental, devendo ser resgatada, pois
desempenha papel ecológico e econômico importantíssimo. Disponibiliza alimentos
mais baratos e saudáveis (muitas vezes orgânicos), e também desenvolve o
turismo, tendo uma função de tampão, ou de amortecimento, ao impacto das áreas
urbanas, que tem impermeabilizado o solo e causado maior poluição. O turismo,
em áreas rurais e naturais, já é uma realidade (Caminhos Rurais de Porto
Alegre), principalmente na zona sul, em encostas de morros (Lami). Pode estar
associada à função de proteção da biodiversidade, incorporando renda e
cidadania às comunidades carentes, com saneamento e vida digna.
As
diretrizes de conservação do ambiente natural quase nunca são estruturadas no
Brasil, pois nos governos e no setor hegemônico da economia ainda predomina uma
visão imediatista. O programa Minha Casa Minha Vida é um caso típico, onde o
licenciamento ambiental foi flexibilizado para que as licenças ambientais sejam
emitidas no máximo em um mês, a despeito da história milenar da biodiversidade
das área onde os projetos são propostos. As áreas mais baratas são, inclusive,
aquelas onde existem banhados, matas e beira de cursos dágua. Da mesma forma, os
programas associados à Copa do Mundo também sofrem de falta de visão ambiental,
pois andam a reboque dos negócios e do mercado.
Com isso,
a área ambiental praticamente só é lembrada como “empecilho”. O setor
imobiliário ou o setor da construção civil é muito poderoso e intervêm de forma
assimétrica nas políticas públicas. Por outro lado, este setor é o responsável
pela maior fatia de contribuições financeiras nas campanhas eleitorais das
capitais brasileiras.
Historicamente,
o poder central da prefeitura, como de praxe na grande maioria das prefeituras,
não dá a devida prioridade à área ambiental porque culturalmente não considera
isso importante ou tem medo de se contrapor aos velhos interesses imediatistas
dos que não pensam em sustentabilidade. A função ecológico-econômica das áreas
naturais ou rurais e seu contexto histórico-cultural, em geral, são, desta
forma, desconsiderados e negligenciados. As obras possuem maior visibilidade
que políticas de conservação, quando estas existem. Além disso, as áreas
naturais não trazem para os cofres da prefeitura os impostos desejados pelo
setor de arrecadação, a despeito da não contabilização do valor dos serviços
ambientais da Natureza.
Assim, com
a ausência crônica de políticas públicas de proteção ambiental, a expansão
ilimitada das áreas urbanas da cidade é favorecida, e com ela vem o desaparecimento
de biodiversidade de arroios, encostas de morro, paisagem natural e demais
itens da biodiversidade associada.
As
avenidas e ruas acabam sendo projetadas para dar capilaridade a este
crescimento desordenado, onde cresce, indiscriminadamente, ou quase, a
especulação imobiliária. A infra-estrutura urbana criada, em ambientes outrora
naturais ou rurais, tem efeito dominó, avassaladora sobre seu patrimônio
natural e seu papel ecológico-econômico. Sucumbem, principalmente, as últimas
áreas rurais e naturais da zona sul. A orla do Guaíba está cada vez mais
privatizada e ameaçada por este processo.
A Secretaria
Municipal de Meio Ambiente teve pioneirismos, sendo a primeira no Brasil. Foi
criada aqui também a primeira Reserva Biológica municipal (Reserva Biológica do
Lami). Depois foram criadas outras áreas protegidas importantíssimas como o
Parque Saint-Hilaire e o Parque Municipal Morro do Osso.
Entretanto,
o orçamento das Unidades de Conservação (UCs), até hoje, não contempla estudos
sobre a biodiversidade, nem mesmo as espécies raras e ameaçadas, e não dispõe
de projetos locais consequentes na área de Educação Ambiental. A SMAM tem um
corpo técnico altamente capacitado que deve ser valorizado. Na área técnica, os
CCs - que ainda são muitos em várias secretarias - deveriam ser substituídos
por concursados para dar maior qualidade ao trabalho, evitando-se as
tradicionais pressões políticas no licenciamento ambiental, incompatíveis com a
sustentabilidade ambiental.
A política
ambiental deve ser vista de maneira transversal, holística, garantindo-se as
leis que protegem a Natureza, em especial o Código Florestal, a Lei da Mata
Atlântica e o conjunto de Políticas Ambientais. A SMAM e as secretarias que têm
interface com a área ambiental devem definir, urgentemente, um planejamento
conservacionista duradouro, antes que seja tarde. Outras secretarias, com papel
importante na área ambiental, como a Secretaria do Planejamento, a Secretaria
de Obras, a Secretaria de Indústria e Comércio, a Secretaria da Educação, etc,
devem ter suas metas ambientais para um futuro sustentável (ou suportável) para
o município articuladas entre si.
Deve-se terminar com a liberação de gigantescos
condomínios, pois são, pela sua própria escala, incompatíveis com uma cidade
que quer manter sua paisagem, a biota e a qualidade ambiental boa, ou razoável. Não é possível que não se estabeleçam limites
máximos ao tamanho dos empreendimentos imobiliários. Dependendo do caso, estes
empreendimentos deveriam chegar a um máximo de 5 ou 10 hectares, mas não as centenas
de hectares recentemente aprovadas para cada um dos grandes condomínios.
Existem loteamentos com mais de 250 ha liberados em Porto Alegre.
Nos últimos anos, com a velocidade acelerada de
conversão de áreas naturais em áreas urbanas, estamos atingindo o patamar
assustador de perda de mais de mil hectares a cada dois ou três anos, em Porto
Alegre. Talvez daqui a 20 ou 30 anos não tenhamos mais nada a conservar. Alguém
já pensou neste fato? Que qualidade de vida terá nossa cidade?
É
necessário maior controle das ocupações irregulares, com acesso à moradia aos
que as necessitam, em áreas onde o impacto seja menor. Também, não se deve
deixar de lado a fiscalização de áreas de risco e naturais, por falta de
veículos e/ou de pessoal.
Entre as
áreas naturais e rurais, deve se pensar em manter os corredores ecológicos, que foram abandonados, por falta de vontade política
e, por conseguinte, pela ausência de metas de conservação. Estes corredores devem
ser mapeados e decretados, com urgência, antes que seja tarde.
As áreas
rurais devem retornar seu papel e garantia de existência no Plano Diretor de
Porto Alegre. Os planos diretores da cidade excluem, paulatinamente, as áreas
anteriormente previstas com esta função ecológica e social em Porto Alegre. As
feiras de hortigranjeiros disponibilizam parte destes recursos que poderiam
constituir um Cinturão Verde em nossa
cidade e, assim, evitaríamos que frutas e hortaliças dos portoalegrenses tenham
que viajar mais de mil quilômetros, até chegar a nossas mesas.
A gestão
municipal ambiental não é somente tema de governo, mas tema de políticas de
Estado, devendo ser encarada com a seriedade necessária. Os temas
socioambientais são transversais e necessitam de processos democráticos, de
planejamento, pensando-se no futuro da biodiversidade e na qualidade de vida
dos seus cidadãos.
A
Sociedade Porto-alegrense deve acompanhar mais estes temas e cobrar a sua
própria participação. Devemos assumir o compromisso em resguardar a integridade
dos ecossistemas e da vida natural e rural que ainda resta no município para a
garantia de melhor qualidade de vida para as atuais e futuras gerações.
Os professores do ensino básico e médio deveriam
ter um envolvimento maior com este tema e instigar seus alunos, por meio de
aulas ao ar livre, em ambientes rurais, naturais, histórico-culturais, e
trabalhos práticos sobre a temática, urgentemente, a fim de superarmos nossa
alienação da paisagem.
Por que
não colocarmos a Meta de que 10 ou 20% de nossas aulas, de todas as matérias -
que não somente aquelas ligadas à biodiversidade - não sejam mais dadas dentro
de salas de aula fechadas e sim em ambientes que se relacionem à vida
verdadeira, incluindo também história, arte, cultura, etc.?
Paulo
Brack é biólogo, ex- técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente,
professor do Instituto de Biociências da UFRGS e membro do Ingá- Instituto
Gaúcho de Estudos Ambientais.
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