sábado, 1 de março de 2014

PROPOSTA PARA RESOLUÇÃO DO CONAMA PARA IMPLANTAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS NO BRASIL



Porto Alegre, 15 de outubro de 2013

Ao Presidente da Câmara Técnica de Controle Ambiental – Conama
Sr. Raimundo Deusdará Filho
Aos demais membros da Câmara Técnica de Controle Ambiental – Conama
Crasília/DF

Prezados(as) Senhores(as):

Na condição de ex-membro da CT de CA do Conama e como professor e pesquisador da biodiversidade brasileira, tendo em vista a futura deliberação relativa ao Processo Nº 02000.002302/2012-90, que trata do licenciamento ambiental de empreendimentos de geração elétrica a partir de fontes eólicas, gostaríamos de trazer algumas questões que consideramos fundamentais para proteção do que resta de nossa biodiversidade.
Reconhecemos que a fonte eólica, comparada a outras  fontes como a energia nuclear, termoelétricas e hidrelétricas (UHEs), pode apresentar  menor impacto e maior resiliência, no caso de possível interrupção permanente de suas atividades. Entretanto, se não forem levadas em consideração possíveis restrições ou limitações este tipo de licenciamento pode ocorrer maior insegurança jurídica e potenciais prejuízos ambientais de monta. Neste sentido, salientamos dois aspectos principais: a territorialidade (unidades de conservação, áreas prioritárias, áreas de preservação permanente, belezas cênicas, territórios de populações tradicionais, áreas urbanas, etc.) e limites quanto a dimensão dos empreendimentos (capacidade de suporte e a magnitude dos impactos sinérgicos em empreendimentos de grande porte), demandando-se a necessária realização de Estudos de Impacto Ambiental.
Cabe lembrar que a inexistência de diretrizes de proteção pode acabar em conflitos judiciais, como ocorreu recentemente no município de Cidreira, Litoral do RS, em áreas de dunas móveis1, 2. A licença prévia, emitida pela FEPAM/SEMA deste Estado, foi cassada em 2011 pela justiça após ação de uma ONG, considerando o risco ao conjunto de atributos únicos de biodiversidade, beleza cênica, espécies ameaçadas, em áreas remanescentes inclusive, em local anteriormente previsto pela própria SEMA para a criação de uma unidade de conservação. No município vizinho, de Tramandaí, um parque eólico afetou áreas de dunas móveis (APPs), com presença de espécies ameaçadas, como lagartixa-das-dunas  (Liolaemus occipitalis)  e tuco-tuco (Ctenomys flamarioni), animais silvestres cada vez mais raros e ameaçados (DI-BERNARDO, BORGES-MARTINS, 2008; NASCIMENTO, CAMPOS, 2011). O impacto se deu por meio da retirada de dunas, abertura de vias, alteração no relevo (fixação de vegetação), que implicou em danos irreversíveis às espécies. Segundo a colega da UFRGS, Professora Dra. Laura Verrastro (comunicação pessoal) os parques eólicos nas dunas do Litoral estão sendo considerados como uma das causas da perda de habitat de Liolaemus occipitalis, que consta na lista da fauna ameaçada do RS e do Brasil.

1) Restrições de empreendimentos em Unidades de Conservação (UCs)
Entre os pontos a serem destacados neste nosso parecer está o fato de que não se pode prescindir, na nova Resolução, a necessária restrição de parques eólicos em UCs de Proteção Integral bem como de Uso Sustentável. É importante destacar que o território brasileiro, com exceção da Amazônia, apresenta percentual de UCs muito abaixo do que propugnava as chamadas Metas da Biodiversidade 2010, infelizmente não atingidas apesar dos compromissos assinados pelo Brasil e outros países. Entre as metas, estava a garantia de pelo menos 10% de áreas protegidas oficialmente em cada bioma. Trazemos aqui o triste caso do Rio Grande do Sul, que é alvo de muitos empreendimentos eólicos hoje, que possui somente 2,6% de seu território constituído por UCs do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Cabe destacar que parte importante de UCs de proteção integral (do total de 0,65% do território) só existe “no papel”, ou seja, não possui área devidamente desapropriada, nem infraestrutura mínima para funcionar como tal. Esta situação não é muito distinta de outros Estados. Da mesma forma cabe destacar a presença importante de UCs de Uso Sustentável, como Áreas de Proteção Ambiental e Reservas Extrativistas, por exemplo, que podem abrigar populações tradicionais, indígenas, sendo potencialmente atingidas em seu modo de vida, paisagem natural, etc. por estes empreendimentos.

Figura 1. Parque Eólico de Tramandaí, RS, questionado por se localizar em dunas (APP), onde existem espécies ameaçadas como o tuco-tuco-branco (Ctenomys flamarioni) e  lagartixa-das-dunas  (Liolaemus occipitalis)
A situação da perda de biodiversidade é cada vez mais alta. Edward Wilson (2006), o especialista mais renomado internacionalmente no tema, afirma que
Os cientistas estimam que se a alteração de habitat natural e outras atividades humanas destrutivas continuarem, no ritmo atual, a metade das espécies animais e vegetais da Terra se extinguirá ou estará em perigo de extinção até o final deste século. Somente as alterações do clima farão que 25% das espécies existentes alcancem essa perigosa situação nos próximos cinquenta anos. Se não conseguimos diminuí-la, o custo para a humanidade em riquezas, segurança ambiental e qualidade de vida será catastrófico.

2) Restrição de empreendimentos eólicos em Áreas Prioritárias para a Biodiversidade
Levando-se em conta inclusive os argumentos anteriores, consideramos ser inviável ou um contra-senso a localização de Parques Eólicos no Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade, definido pelo Ministério de Meio Ambiente, por meio da Portaria n. 09 de 23 de janeiro de 2007. Destacamos aqui, principalmente, as áreas de Extrema Importância, que, de outra forma, não estão sendo levadas em consideração nem mesmo no caso do planejamento da implantação de usinas hidrelétricas, pois cerca de 25% desses empreendimentos estão localizados nesta última categoria e cerca de 60% com localização prevista no conjunto das áreas prioritárias.
Neste aspecto, a sociedade brasileira clama também que o Ministério do Meio Ambiente, o Governo Federal e os demais órgãos ambientais e governos deem sequência a implementação do MAPA DAS ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA A BIODIVERSIDADE. Para tanto, são necessárias políticas efetivas, que considerem inclusive as compensações a empreendimentos já implantados, em tempo de se conservar algumas áreas restantes, antes que seja tarde.
Por outro lado, no Litoral brasileiro, onde estão previstos muitos parques eólicos, ocorre também um avanço urbano descontrolado e incessante, especialmente por megaempreendimentos (hotéis, loteamentos fechados, de veraneio), que implicam, além da urbanização de dunas e restingas, a remoção de vegetação nativa, drenagem de áreas úmidas, alteração total de relevo e construção de muros, etc. Tudo isso leva também ao desaparecendo dos corredores ecológicos e ameaça a manutenção do fluxo gênico de espécies raras e a sobrevivência de muitas ameaçadas. Se este aspecto não for considerado, conjuntamente, e se permitir empreendimentos eólicos com licenciamentos de forma simplificada (RAS), sem estudos de impacto ambiental e avaliações ambientais estratégicas, poderemos continuar assistindo a perda de habitats, perdas irreversíveis quanto a espécies ameaçadas e ecossistemas naturais nos próximos anos. Estas situações, muitas vezes dramáticas, foram acompanhadas aqui na Região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (BRACK, 2006; BRACK, 2009).
 Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade no Brasil (Port.n.9/2007, MMA)
3) Restrição a implantação de Parques eólicos em Rotas Migratórias de aves
Da mesma forma que os demais itens ressaltados anteriormente, o que pode implicar em riscos às espécies de aves, deve-se levar em consideração principalmente os acordos internacionais em relação às áreas úmidas e aves migratórias (Convenção de Ramsar)3.
Em especial as zonas costeiras são regiões de transição ecológica que desempenham uma importante função de ligação e trocas genéticas entre os ecossistemas terrestres e marinhos, sendo caracterizadas como berçário da vida dos organismos costeiros. Constituem-se em ambientes complexos, diversificados e com papel fundamental para a sustentação da vida no litoral, inclusive para pescadores e qualidade de vida humana nestas zonas. A elevada quantidade de nutrientes e outras condições ambientais favoráveis, como os gradientes térmicos e salinidade variável e as excepcionais condições de abrigo e suporte à reprodução e à alimentação inicial da maioria das espécies migratórias que habitam as zonas costeiras, transformaram estes ambientes num dos principais focos de atenção no que diz respeito à conservação ambiental e manutenção de sua biodiversidade. Sendo assim, é fundamental a preocupação com a presença de aves migratórias que, em ciclos anuais, buscam abrigo, alimentação e descanso para viagens entre continentes do hemisfério sul e do norte. A zona costeira, na interface entre os ecossistemas terrestres e marinhos, é responsável por uma ampla gama de “funções ecológicas”, tais como a proteção contra a erosão costeira, ou por avanços do mar e intrusão salina. Neste outro aspecto, já assinalado nas Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade, a localização de empreendimentos eólicos deve ser restringida.

4) Qual a capacidade de suporte para grandes e numerosos de empreendimentos?
Deve-se considerar a dimensões de Parques Eólicos e sua eventual construção em série, o que demanda obrigatoriamente a realização de AAE (Avaliações Ambientais Estratégicas) ou AAI (Avaliações Ambientais Integradas), onde se possa avaliar a capacidade de suporte de um número de torres em determinadas regiões com menor impacto. Sem isso, da mesma maneira, pode ser falho o processo de licenciamento sem a existência de Zoneamentos Ecológico-Econômicos (ZEE) para a maior parte do território brasileiro.
Neste sentido, sem a desconsideração dos itens anteriores, parece-nos fundamental também a realização de EIA-RIMAs, conforme originalmente a legislação brasileira propugnava, a partir das resoluções do Conama n. 01 de 1986, para usinas hidroelétricas, para empreendimentos acima de 10 MW.

Sendo o que tínhamos para  momento.
Agradecemos a atenção,

Cordialmente

Prof. Dr. Paulo Brack
Dep. Botânica – Inst. Biociências - UFRGS
(051-33087550)
------------------
Referências
BRACK, P. 2006. Vegetação e Paisagem do Litoral Norte do Rio Grande do Sul:  patrimônio desconhecido e ameaçado. In II Encontro Socioambiental do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: ecossistemas e sustentabilidade. Imbé: CECLIMAR – UFRGS. P. 46-71.
BRACK, P. 2009. Vegetação e paisagem do Litoral Norte do Rio Grande do Sul:exuberência, raridade e ameaças á biodiversidade. In: Norma Luiza Würdig; Suzana Maria F. de Freitas. (Org.). Ecossistemas e biodiversidade do Litoral Norte do RS. Porto Alegre: Nova Prova, p. 32-55.

DI-BERNARDO, M.; BORGES-MARTINS, M. Liolaemus occipitalis Boulenger, 1885. In: MACHADO, A. B. M; DRUMMOND, G. M.; PAGLIA, A. P. (eds). Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Volume II. 1.ed. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente, 2008. p. 347 - 348.

NASCIMENTO, J.L.; CAMPOS, I.B. (orgs.). Atlas da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção em Unidades de Conservação Federais. Brasília,DF: ICMBio, 2011. 276 pp.
WILSON, E. O.  The Creation. An appeal to save life on Earth. New YorkW.W. Norton & Company, 2006. La creación, Salvemos la vida en la tierra, Katz, Buenos Aires, 2006. Disponível em <http://www.katzeditores.com/fragmentosLibro.asp?IDL=30>. Acesso em 07 de agosto de 2010.

  1. Notícia da ONG Curicaca - Juíza acata ação contra usina eólica em Cidreira. Disponível em:
  1. http://www.jusbrasil.com.br/diarios/24354965/pg-339-judicial-tribunal-regional-federal-da-4-regiao-trf-4-de-26-01-2011
  2. CONVENÇÃO DE RAMSAR (The Ramsar Convenction) Disponível em <http://www.ramsar.org/>Acesso em 07 de agosto de 2010.


Anexo 1 - Juíza acata ação contra usina eólica em Cidreira

“O Instituto Curicaca entrou com ação civil pública pedindo a cassação da licença ambiental de empreendimento de geração de energia eólica localizado sobre as dunas do balneário Salinas, em Cidreira. Na quinta-feira havia obtido em processo administrativo junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM – uma recomendação técnica pela revogação da licença prévia.
Embora os técnicos da FEPAM tenham revisto suas posições e aceitado o pedido, a licença ainda não havia sido revertida pela presidência daquele órgão até a tarde de sexta-feira. A medida judicial foi necessária para evitar a participação do empreendedor no leilão de energia da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL –, marcado para esta segunda-feira, às 11 horas. A agência não poderia aceitar a participação de um concorrente, cuja licença ambiental está sendo revogada. Isso causaria prejuízos a todo o processo, que envolve inúmeras outras empresas. Por isso a juíza notificou a FEPAM e a ANEEL. O motivo do pedido de revogação é a importância ambiental da área onde o empreendimento foi licenciado. Trata-se de um enorme campo de dunas, com cerca de 3.000 hectares, classificado como área de extrema prioridade à conservação da biodiversidade pelo Ministério do Meio Ambiente e indicada para a criação de uma Unidade de Conservação da natureza da categoria parque pelo Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
O licenciamento prévio do empreendimento foi uma grande surpresa, pois é de conhecimento comum que as dunas de Cidreira são um dos últimos locais do Rio Grande do Sul onde ainda está preservada toda a seqüência de formação dos ambientes costeiros – praia, dunas frontais, grandes dunas, banhados e lagoas – com animais e plantas associados. Um deles é o tuco-tuco, espécie endêmica e ameaçada de extinção.
A região também tem um papel histórico no lazer da sociedade gaúcha. Há décadas as famílias brincam de rolar e descer correndo pelos montes de areia. Basta fazer uma busca de imagens na internet digitando “dunas cidreira”, que aparecerão inúmeras fotografias antigas e atuais.
A geração de energia eólica pode ser considerada limpa se comparada às termoelétricas, que utilizam carvão e poluem, ou às hidrelétricas, que desmatam as florestas, impedem a migração dos peixes e podem causar extinções de espécies, mas não deve ser subestimada nos seus danos ao meio ambiente. A força dos ventos necessária para a geração de energia encontra na zona costeira e no pampa a maioria dos locais favoráveis, redirecionando para estes frágeis ecossistemas um impacto ambiental que até então desconheciam.
As pás dos cataventos, colocadas em torres de 130 metros de altura, atingem muitas aves migratórias e morcegos, que voam à noite, e aves de rapina durante o dia. Para sustentar tamanha estrutura, uma enorme base de concreto, larga e profunda, é instalada no terreno. São centenas delas, lado a lado, causando modificações no lençol freático. Os gigantescos caminhões que transportam as torres e os geradores exigem estradas de acesso que desfiguram toda a área. Tudo isso impõe a necessidade de escolher locais que não comprometam nossa riqueza biológica e história.
http://ong.portoweb.com.br/curicaca/default.php?reg=36&p_secao=62&PHPSESSID=e3365e7450bc099e60425d35fbad7f33

Nenhum comentário:

Postar um comentário