Ofício/InGá/nº03/2014
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2014
Ao Dr. Alexandre Saltz
Coordenação de Meio Ambiente
do Ministério Público Estadual
Prezado Senhor:
O
InGá vem encaminhar denúncia ao Ministério Público Estadual questionando a legalidade
do Decreto Estadual nº 50.017, de 9
de janeiro de 2013, que criou um Grupo de
Trabalho e um Fórum a fim de promover a realização de um megaempreendimento de alto
impacto ambiental denominado Complexo
Hidrelétrico Garabi-Panambi, na porção média do rio Uruguai, decreto que
declara que “a construção das hidrelétricas Garabi e Panambi promoverá o
desenvolvimento social e econômico da região”, a despeito deste(s) não possuir(em) nenhum estudo de viabilidade ambiental e,
como agravante, nenhuma licença ambiental
por parte do órgão de meio ambiente (IBAMA). Da mesma forma, do ponto de
vista da administração pública, é questionável que se criem expectativas
favoráveis na região e uma inevitável pressão sobre os órgãos ambientais, implicando
também em gastos públicos na promoção de atividades que deveriam seguir todo o
trâmite de viabilidade ambiental, somente após um possível deferimento de
licenças ambientais, o que não é o caso, pelo menos no momento.
O
Ingá também solicita ao Ministério Publico Estadual que atue em conjunto com o
Ministério Público Federal para que todo o processo de promoção destes
empreendimentos seja reavaliado, considerando os elevados riscos à flora e à fauna do Rio Grande do Sul, em especial
ao Parque Estadual do Turvo, o Salto do
Yucumã, levando-se em conta que não se tem um balanço mínimo das condições
de conservação da biodiversidade na bacia, após dezenas de empreendimentos
hidrelétricos já realizados nas últimas duas décadas, bem como a diversas
situações de irregularidades já constatadas. Destacamos aqui o caso da UHE
Barra Grande, onde a própria empresa Engevix, que seria a principal empresa
brasileira que encabeçaria os estudos do Complexo Garabi, para a Eletrobrás,
estava envolvida no caso e foi multada por isso pelo Ibama em 10 milhões de
reais, em 2005.
Estamos
profundamente preocupados com a ausência de iniciativas públicas no sentido de
que se assegure a necessária garantia legal da conservação da
sociobiodiversidade da região da Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai, tendo em vista
os altíssimos riscos ambientais decorrentes da maior área prevista para
alagamento na bacia do rio Uruguai (73 mil hectares) que seria provocada pelos
projetos de Aproveitamentos Hidrelétricos de Garabi e
Panambi, levados a cabo pela Eletrobrás e Ebisa (Argentina). Espécies
como Dyckia brevifolia, abundantes no
Salto do Yucumã, até as décadas de 1980 (Brack et al. 1985) e 1990, hoje estão
desaparecendo, como vimos constatando nos últimos cinco anos e vamos pedir
providências do MPE., bem como averigúe o desbarrancamento acentuado na mata
ciliar após os empreendimentos, a montante do P.Est. Turvo, das UHEs Foz de
Chapecó, Itá, Machadinho e Barra Grande.
Ressaltamos,
do ponto de vista da biodiversidade, que entre os principais impactos
decorrentes destes novos empreendimentos destacam-se a perda de áreas florestais do Parque Estadual do Turvo (Decreto Estadual no 2.312,
de 11 de março de 1947), o aumento do risco de extinção de dezenas de
espécies de flora e fauna incluídas
nos Decretos 42099 de 31 de dezembro de 2002 e 41.672, de 11 de
junho de 2002, no caso da onça (Panthera onca), por exemplo, bem como as possíveis alterações
sobre o Salto do Yucumã.
Causa
estranheza à sociedade gaúcha que, apesar de não ser apresentada a sequência do
processo de AAI (Avaliação Ambiental Integrada do rio Uruguai), o Governo do
Estado tenha publicado o referido Decreto, contrariando a necessária forma
republicana de gestão pública, pois o atropelo da medida, quando da criação do
Grupo de Trabalho e Fórum, acabou por gerar muitas expectativas políticas, com
setores econômicos, políticos e outros setores potenciais apoiadores do
empreendimento, circunstância que fortalece a sensação geral de “fato consumado” em relação à realização destas obras.
Consideramos,
ademais, que existe uma visível distorção do papel dos órgãos públicos, já que
o GT inclui até mesmo a presença da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que
teria como atribuição, justamente, participar junto com o Ibama dos
licenciamentos dos empreendimentos. Qualquer processo de licenciamento deve
prever também a possibilidade de indeferimento pelos órgãos ambientais, situação
esta bem provável, pois do ponto de vista técnico, não se pode desconsiderar a
situação já crítica do rio Uruguai.
Outrossim, cabe
assinalar que o Governo do Estado além de desconsiderar a necessidade de
término da Avaliação Ambiental Integrada, prevista no TC de Barra Grande, está
passando por cima do Art. 9o da
Política Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938, de 31 de agosto de
1981) que institui o Zoneamento
Ecológico-Econômico, instrumento público fundamental no planejamento não só
de empreendimentos e atividades, mas na gestão econômica e ambiental,
garantindo diretrizes claras de proteção da biodiversidade e dos direitos da
sociedade como um todo, visando as vocações econômicas locais e sustentáveis
dos elementos de suporte à vida biodiversa.
Atenciosamente
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